Em defesa da vida, contra a mineração
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8ª Romaria em Defesa da Vida/Foto: Tiago Rocha |
Por Ruben Siqueira*
VIII Romaria
em Defesa da Vida contra a mineração, em Campo Alegre de Lourdes, alto sertão
baiano, fronteira com o Piauí, manhã de 20 de maio de 2018. Cerca de 800
pessoas desafiam o calor escaldante do fim das chuvas e caminham sob um rio de
sombrinhas coloridas. São três km de poeira, da comunidade de Barreiro até o
sopé do morro Tuiuiu, numa clareira em meio à caatinga na beira da estrada. O
morro, ponto mais alto do município de cerca de 2.800 km2 e 30 mil
habitantes, figura até no brasão da cidade. É rico em minérios – ferro, ouro,
titânio e vanádio -, como são 82% do município.
A mineração
de fosfato no maior povoado, Angico dos Dias, habitado por mais de mil pessoas,
degradou violentamente a vida do lugar e assusta a população de toda a região.
Outros empreendimentos estão chegando e trazem muita preocupação. A romaria,
promovida pela Paróquia, Comissão Pastoral da Terra, Comunidades Eclesiais de
Base e outras organizações da Igreja Católica, Sindicato dos Trabalhadores
Rurais e entidades de apoio técnico-agrícola, quer ser um alerta e um apelo à
resistência popular. Com paradas e depoimentos, em meio a cânticos e orações, a
peregrinação focou o mesmo tema da Campanha da Fraternidade deste ano: “Superação da
Violência: direito e dever de cada pessoa”.
Uma das falas contextualizou o crescimento da violência, suas raízes na
expansão ilimitada do capital especulativo, que busca lastro e valorização em
bens reais como a terra, a água, os minérios, e não respeita de fato nem leis
nem direitos humanos, nem a democracia representativa nem o funcionamento da
República. Todos os golpes políticos e sociais em curso no país são seu modo de
operar. Outro depoimento apontou os índices alarmantes da criminalidade e da
violência no campo e na cidade. Impactantes foram as falas de moradores do
Angico dos Dias, que vieram em um ônibus, dar testemunho de sua dor e de sua
disposição de lutar contra a violência da poluição e contaminação da mineradora
Galvani/Yara e da grilagem de suas terras.
Ponto alto
O ponto alto
da romaria é a celebração da missa, com bastante participação das pessoas alojadas
nas poucas frestas de sombra das árvores. Como era Festa de Pentecostes, as
falas e orações atualizaram o sentido da vinda do Espírito Santo, a
continuidade da presença de Jesus na comunidade dos seus seguidores.
Identificado como “sopro de vida” e “comunicador de dons”, o Espírito Santo
anima a comunidade a se manter unida e na luta pelos seus direitos fundamentais
contra as ameaças de morte, desigualdades e injustiças que emperram e atrasam a
construção do Reinado de Deus. A mineração é apresentada como das maiores
destas ameaças.
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8ª Romaria em Defesa da Vida/Foto: Tiago Rocha |
Após a
missa, poetas de cordel locais versejam, compositores cantam suas canções bem
feitas, jovens apresentam uma dramatização sobre a situação política do país
centrada na prisão de Lula, outros reproduzem um programa de rádio e um jogral
sobre o tema. As faixas e cartazes são lidas, junto ao anúncio das Comunidades
e de seus padroeiros presentes. Um cartaz, da comunidade de Cacimba Velha, que
vive sob a ameaça crescente de mineração de níquel, dizia, como uma síntese dos
objetivos da romaria: Nossa terra
está sendo ameaçada pelos grileiros e mineradoras. Terra dos nossos
antepassados, terra tradicional. Se destruírem a terra, destruirão também a
vida das pessoas e de toda a Criação. Por isso vamos defender a vida, cuidando
de tudo o que Deus criou e entregou em nossas mãos. É missão de todos nós
valorizar a vida, dar valor ao nosso planeta e constante atenção para os
cuidados de que ele precisa. Faça sua parte! Seja consciente! Cuide do seu
espaço e assim do Planeta! N. Sra. Aparecida, rogai por nós. Encerrando o evento, em clima de satisfação
e alegria, mochilas são abertas para a partilha dos quitutes trazidos de casa.
Soberania popular na mineração
Cerca de
1.400 km dali, em Paraopeba, Pará, estava se encerrando o I Congresso do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM),
com o tema "Por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios". Participavam
cerca de 1.500 pessoas, vindas de 70 cidades de 15 estados brasileiros em
conflitos com a mineração. Também presentes estavam delegações de vários países
da América e África que enfrentam o mesmo problema. No dia seguinte, os
participantes fariam outra peregrinação, em marcha de protesto até portaria da VALE,
a segunda maior mineradora do mundo.
Se para bem
viver precisamos de exploração de minérios, não será sob a voracidade
insaciável de transformá-los em capital, à custa de danos irreparáveis às
pessoas e à natureza, violências, injustiças e morte. É o que a voz e a força
do povo organizado afirmam em Campo Alegre de Lourdes e Paraopeba. Os sensatos
o ouvirão!
*Agente da CPT na Bahia e membro da Coordenação Nacional.
Belo texto, forte clamor profético contra esse escárnio que é a ação devastadora das mineradoras na região e no Brasil.
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