DEPOIS DA BARRAGEM, AS TORRES
Parques eólicos ameaçam a permanência no campo de população já atingida pela Barragem de Sobradinho |
A vida de Antônio Carvalho, camponês do
município de Sobradinho (BA), não é mais a mesma desde a chegada das usinas
para produção de energia eólica na região. Antônio mora em São Gonçalo da
Serra, comunidade camponesa formada por uma população que vive há mais de 200
anos no local, e que agora sofre com os impactos dos parques eólicos.
Além da estiagem que assola a região, na
nova rotina de agricultores como Antônio entrou a preocupação com os métodos
sujos de quem trabalha em nome de uma energia 'limpa'. Para facilitar a entrada
das empresas há quem grile terras em áreas propícias para gerar energia a
partir de ventos. Na comunidade do camponês, há terras legalizadas com registro
em cartório há mais de 12 anos, que de repente aparecem com “novos
donos”.
Antônio reclama também da falta de
respeito com o meio ambiente e com os camponeses por parte dos “homens
estranhos”, representantes dos parques eólicos, que fazem variantes e invadem
propriedades com documentos falsos e obrigam proprietários rurais a assinarem
contratos de conteúdo suspeito.
Outra preocupação de quem mora perto
de parques eólicos em Sobradinho é a história local. Segundo Antônio, na
comunidade Serra do Olho d´Água foram instaladas torres eólicas pela empresa
Consórcio Pedra do Reino S/A a cerca de 100 metros de pinturas rupestres.
E não são apenas os ventos de
Sobradinho que atraem empresários do setor elétrico. Casa Nova e Sento Sé são
outros dois municípios onde projetos para geração de energia eólica ganham
força e preocupam posseiros, porque a grilagem de terras também vem com tudo.
Um grupo de grileiros, por exemplo, conseguiu que a Coordenação de
Desenvolvimento Agrário (CDA), que vive reclamando da falta de estrutura para
fazer o devido reconhecimento de territórios tradicionais, demarcasse para o
bando mais de 1.000 hectares, ignorando centenas de famílias.
Entre elas, a do agricultor Augusto
Espírito Santo. O morador de Brejo de Dentro agora vive preocupado com a
máfia que chegou de mãos dadas com as pesquisas sobre os ventos da
região. “Eu faço um apelo para que eu não possa perder minhas terras, que
alguém me ajude a combater esse homem perigoso que está tomando minhas áreas,
se eu for perder minha terra, eu vou viver onde?”, pergunta o camponês.
Com essa angústia vivem centenas de
famílias da região. As mesmas que foram traumatizadas pela Companhia Hidro
Elétrica do São Francisco (Chesf), que por cima de pau, pedra e gente construiu
a Barragem de Sobradinho na década de 1970.
Segundo a coordenadora regional do
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Marta Rodrigues, as vítimas da
Chesf, que lutam para construir novos territórios, apesar das
perdas e dos direitos até agora ignorados, como o acesso à energia elétrica,
têm seus pesadelos acordados pelos parques eólios. Diante das contradições
do modelo energético brasileiro, Marta questiona: “Energia para que e para quem?”
Para o professor e pesquisador
de fontes alternativas de energia da Universidade Federal do Vale do São
Francisco, Adeon Pinto, o ideal seria que cada comunidade produzisse sua
energia através de pequenos aerogeradores. Além do consumo familiar, a
eletricidade poderia ser utilizada para venda ou troca com redes de
distribuição.
Mas isso não acontece porque, segundo o
pesquisador, falta dinheiro. Para esclarecer os prós e contras da energia
eólica, o docente considera importante que haja um debate público
envolvendo órgãos governamentais e sociedade civil. E considera exploratório o
modelo dos grandes parques eólicos.
Enquanto o empoderamento da população,
sobretudo das comunidades que recebem os complexos eólicos, não acontece, Estado
e capital privado expandem o negócio. Na Bahia, o setor que gera energia
através dos ventos deu um salto nos últimos quatro anos. Com 10% do potencial
nacional de energia eólica, o estado é o maior polo brasileiro de investimentos
no ramo, em que cada megawatt produzido por hora custa cerca de R$ 99,00.
Até 2014, estão previstos investimentos de cerca de R$ 6,5 bilhões, que serão
empregados em 57 usinas e cinco fábricas de componentes para geradores
eólicos.
Ao sabor do vento, grande parte desses
recursos sairá dos cofres públicos, ou seja, do seu, do meu, do nosso bolso. E
o que é pior, sem uma consulta pública, sobretudo às comunidades, a maioria de
famílias camponesas que conservam modos de vida tradicionais, como as de
fundo de pasto.
Com saudades da política do pau de arara e do choque elétrico da ditadura, o Estado repete os atropelos aos povos da terra e das águas em nome de um progresso que gera exclusão, em vez de cidadania. Como a Barragem de Sobradinho, que colocou milhares de famílias na miséria absoluta.
Com saudades da política do pau de arara e do choque elétrico da ditadura, o Estado repete os atropelos aos povos da terra e das águas em nome de um progresso que gera exclusão, em vez de cidadania. Como a Barragem de Sobradinho, que colocou milhares de famílias na miséria absoluta.
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