“Nós vamos ficar com a morte e a doença”: Em Sento Sé (BA), comunidades ribeirinhas temem empreendimento de mineração
Reunião das comunidades Aldeia, Pascoal e Limoeiro. |
“Terrível, até hoje me arrepio
quando lembro o que a gente passou”, afirma Dona Maria Francisca de Oliveira,
49, ao recordar a época em que foi reassentada por causa da construção da
barragem de Sobradinho (BA). Com os olhos marejando e a voz embargada, a
agricultura e professora conta que ficou na memória a imagem da tia que não
queria deixar a casa mesmo com a água inundando o local. “Não saio, não saio,
não vou sair de minha casa”, dizia a tia, como relembra Maria Francisca.
A comunidade de Pascoal, localizada
no município de Sento Sé, no norte do estado baiano, foi uma das atingidas pela
construção da hidrelétrica de Sobradinho. Ao todo, na região, mais de 70 mil
pessoas foram expulsas das suas comunidades e territórios no final da década de
1970. “Era uma esperança que a gente ia ter muito desenvolvimento, ia ter o
progresso, mas até a energia a gente só veio ter depois de dez anos, quando
criamos a associação, e água tratada até hoje não temos”, relata a professora.
Quarenta anos depois, o fantasma do
desenvolvimento volta a assombrar a população de Pascoal e as comunidades
vizinhas, Limoeiro e Aldeia. A notícia de que a anglo-australiana Colomi Iron
Mineração vai investir R$ 11 bilhões em um projeto de exploração de minério de
ferro no município está tirando o sono das comunidades. O sentimento é de medo,
comenta o agricultor Valmir dos Santos. “A gente tá vendo o exemplo de Minas
Gerais, a TV tá mostrando”, diz.
De acordo com informações do
Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), a Colomi Iron Mineração
possui a licença prévia da exploração mineral em Sento Sé, ou seja, tem
permissão para produzir os estudos de impactos ambientais. As licenças de
instalação e operação da mina ainda não foram emitidas, mas, a população já
teme os impactos que um empreendimento de mineração pode provocar nas
comunidades.
Ameaça ao
Velho Chico
Rio São Francisco na comunidade Aldeia. Ao fundo, a Serra da Bicuda. |
O rio São Francisco fica a menos de
um quilômetro das comunidades de Pascoal, Limoeiro e Aldeia. Juntos, os três
povoados concentram cerca de 700 famílias, que dependem do Velho Chico para sua
principal atividade: a pesca. “Nós sem água, nós não tem vida né”, destaca Seu
Valmir.
O vice-presidente do Sindicato
Municipal dos Pescadores, que também é vereador de Sento Sé, Jamerson Santiago,
conta que a preocupação e o medo de perder o sustento têm assolado a vida das
pessoas. “A gente vive mais da pesca e da agricultura. Isso [a mineração] vai
impactar a agricultura e a pesca, a nossa preocupação é essa, se tirar isso da gente a gente vai viver de quê?”,
questiona.
Patrimônio
natural e cultural
O local onde a mineração pretende
ser instalada é a Serra da Bicuda, considerada
um patrimônio ambiental e cultural pela população. É nesse lugar que as
comunidades criam seus animais à solta (caprinos e gado) e que abriga a
diversidade da Caatinga, a exemplo de plantas medicinais e umbuzeiros. “Aí no
pé da serra tem uns tanques que o gado come, durante o inverno enche e o gado
bebe água, a gente se preocupa de botar o gado na roça só na seca, quase todo
mundo cria lá”, aponta Valmir. Dona Maria Francisca complementa que “essa serra
é a nossa história, nossa vida, nosso patrimônio”.
Mobilização
comunitária
Diante da inesperada notícia de
instalação da mineração no território das comunidades, a população de Pascoal,
Limoeiro e Aldeia tem se mobilizado para buscar informações sobre o projeto e promover
debates sobre os impactos socioambientais que uma empresa de mineração pode
provocar na região.
Para Dona Maria Francisca, este é
um projeto de desenvolvimento “para as grandes empresas, grupos estrangeiros
que vêm tirar nossas riquezas”. Na
opinião da professora, a população vai “ficar com a morte e a doença e quem tem
conhecimento sabe que não tem nenhum desenvolvimento”.
Comunidade de Aldeia. |
De acordo com Jamerson, já foi
encaminhado na Câmara de Vereadores de Sento Sé a proposta de realização de uma
audiência pública e uma sessão itinerante da Câmara para discutir a temática.
Texto e fotos: Comunicação CPT Juazeiro
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