Carta da 42ª Romaria da Terra e das Águas ao Bom Jesus da Lapa


“Será libertado pelo Direito e pela Justiça.” (Isaías 1,27)
Da 42ª Romaria da Terra e das Águas ao Bom Jesus da Lapa, realizada nos dias 05, 06 e 07 de julho de 2019, dirigimo-nos às comunidades, organizações e movimentos, às nossas Igrejas e a toda a sociedade. Cerca de 6.000 pessoas, vindas de todos os cantos da Bahia e também de Minas Gerais, Goiás, Pernambuco, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Graz (Áustria), estivemos na gruta-igreja da Lapa, “feita de pedra e luz”, para rezar, trocar experiências, saberes e propostas e comprometer-nos com a luta por direitos. Tais direitos só se materializam através de políticas públicas novas ou as já existentes que estão sendo ameaçadas cotidianamente no atual cenário sócio, político, econômico, cultural e ambiental. Um ruidoso clamor sobe da Terra e das Águas, dos povos que as habitam e delas vivem e de todas as outras formas de vida ameaçadas, e atinge e apela a todos, em especial a nós, seguidoras e seguidores do Bom Jesus, com ele construtoras e construtores do Reino de Misericórdia, Justiça e Paz.
Entregues ao jogo inescrupuloso do capital especulativo e financeiro, nossa vida e destino estão reféns de uma nova e mais perversa forma de colonização: retirada de direitos historicamente conquistados, dos trabalhadores do campo e da cidade e dos povos tradicionais; desmonte da previdência social; exploração exaustiva de nossos bens naturais; precarização de políticas públicas de educação, saúde, meio ambiente, convivência com os biomas, juventudes, etc. Tudo submetido ao canto da sereia do resultado meramente econômico imediato.
Como consequência, tragédias anunciadas, como o crime ambiental em Mariana e Brumadinho – MG; os conflitos por terra e água provocados pelas empresas do agro-hidronegócio, projetos de energias e empresas de mineração; envenenamento das águas (um em cada quatro municípios brasileiros tem água contaminada por agrotóxicos) do solo e das populações. Sem investimento em educação e saúde, congelados por 20 anos, com 13 milhões de desempregados, 1,16 milhões de pessoas com depressão, crescente número de suicidas, inclusive entre os jovens.
Na esperança de que seremos libertados pelo Direito e pela Justiça, à luz da Palavra de Deus e do testemunho dos nossos Mártires e Inspiradores/Inspiradoras, refletimos sobre nossas vidas dedicadas à luta por terra, água e justiça social – políticas públicas, direitos sagrados, exigências do Reino. A 42ª Romaria refletiu nos cinco plenarinhos sobre a superação das dificuldades enfrentadas nestas lutas. A partir da nossa centralidade no Bom Jesus, sob vários olhares, trocamos experiências, discernimos, assumimos compromissos e comunicamos:
Terra e Território: Direito do povo e dever do Estado  A conjuntura atual está marcada pelo acirramento dos conflitos agrários. Está em curso um projeto de governo que visa retirada de direitos territoriais, revogação de políticas públicas, supressão de barreiras ambientais e criminalização das lideranças e movimentos sociais, principalmente os de luta por terra e territórioRefletimos sobre a postura do Estado e nos indignamos com os casos de violência contra as comunidades em seus territórios. Diante deste quadro, decidimos fortalecer as lutas e resistências com trabalho de base, articulação, mobilização e organização das comunidades locais. E desenvolver mais práticas sustentáveis que contribuam com o Bem Viver dos povos e comunidades tradicionais do campo, das florestas, das águas e da cidade.
Fé e Política: Políticas Públicas – nenhum direito a menos – À luz da Doutrina Social da Igreja, o compromisso cristão é ser sal e luz no mundo. Com base no tema da Campanha da Fraternidade de 2019 – Fraternidade e Políticas Públicas –, resgatamos o compromisso de participação, organização, mobilização e formação social. Fazendo análise dos cenários global, nacional e regional, constatamos que para barrar o desmonte do Estado Social conquistado com a Constituição de 1988, é necessário intensificar a luta de forma organizada. Neste contexto, promover a evangelização nas dimensões da formação eclesial das comunidades e na promoção da justiça social, resgatando as Igrejas como “comunidades de comunidades” (Doc. nº 100, CNBB). A transformação rumo a uma sociedade justa é um processo contínuo que exige profundas mudanças culturais e participação de todos. Para a ampliação e fortalecimento da democracia, vamos favorecer o diálogo para a organização, formação e mobilização das comunidades na base, na luta e para a luta.
Rio São Francisco e outras bacias: “Brumadinho pergunta: Quem manda na bacia do São Francisco?” – A mística retratando o crime ambiental de Brumadinho – MG, seguida de depoimento sobre o crime e os impactos nas vidas atingidas, deram o tom da resposta a esta questão, imposta pelos crescentes conflitos entre o avanço da mineração empresarial e a vida. Situação recorrente na Bahia: barragens de rejeitos da Mirabela no Rio de Contas, da Bahia Mineração em Guanambi, da Galvani/Iara em Campo Alegre de Lourdes. Nos Rios Paraguaçu e Pardo, além do São Francisco, o assoreamento pelo agronegócio, sobretudo. De positivo a retomada da Articulação Popular São Francisco Vivo, compromisso do ano passado. Urge resistir à imposição atual do extrativismo minerário, impedindo novas barragens de rejeitos, em vista de outro modelo de mineração com soberania popular; exigir das autoridades o reconhecimento de que a lama criminosa da Vale já contamina o São Francisco e as medidas cabíveis de direito da população ribeirinha atingida; e avançar na organização e articulação em defesa das Bacias de nossos rios.
Crianças: Toda criança tem o direito de ser feliz – Com a participação de 70 crianças e outras 100 pessoas, a reflexão foi inspirada na vivência do Projeto Cata-Ventos da Diocese de Barreiras, dialogada com o Estatuto da Criança e do Adolescente – direitos e deveres. A metodologia utilizada favoreceu que as crianças revelassem a sua percepção sobre o desrespeito aos seus direitos, maus tratos e violência. O compromisso é de continuar na luta para que todas as crianças e adolescentes tenham seus direitos assegurados: educação, alimentação, moradia e saúde.
Juventude – Juventudes e Políticas Públicas: “Ninguém solta a mão de ninguém” – Com presença de 450 jovens de suas diversas pastorais, discutiu-se o tema em três rodas de conversa com os subtemas das Políticas Públicas para a juventude, de combate ao suicídio de jovens e de meio ambiente. A conclusão é de que estas políticas estão estagnadas, não existem. Compromisso firmado: discutir sobre as políticas públicas e os direitos sociais nas bases, politizando-as.
Assim, desde a primeira noite da Romaria, celebramos a esperança e a promoção da justiça social inspirados pelos ensinamentos do Papa Francisco, que destacam as lutas por Terra, Trabalho e Teto, retomados na homilia de D. João Cardoso, bispo da Lapa, na celebração de abertura. Lembramos as dimensões evangelizadoras e missionárias da Igreja no Brasil – formar o povo e promover a justiça social – nas palavras de D. André de Witte, bispo de Ruy Barbosa e presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT. Conduzidos por D. Fr. Luiz Cappio, com a imagem de São Francisco Peregrino, caminhando da Gruta do Bom Jesus até à Capela de Bom Jesus dos Navegantes, dos ribeirinhos, barqueiros e pescadores, revivemos a Via Sacra de Jesus no sofrimento e resistência dos povos dos Gerais Baianos em Correntina, Formosa do Rio Preto e Caetité, e do de Brumadinho e do rio Paraopeba (MG).
Sob as bênçãos do Bom Jesus e de Nossa Senhora da Soledade, sejamos todos e todas, também vocês que recebem esta Carta, luz e força divina, na organização do povo de Deus e na luta pela garantia dos seus direitos, pela construção do poder popular. Gratidão a quem participou e a quem organizou esta bela romaria! E até a grande 43ª Romaria em 2020, com as graças do Bom Jesus!
Bom Jesus da Lapa- BA, 07 de Julho de 2019.
Os romeiros e romeiras da 42ª Romaria da Terra e das Águas.
Foto: CPT Bahia

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