“Uma luta só”: comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto e quilombolas unidas na defesa dos territórios
“As comunidades tradicionais de fundo de pasto e as quilombolas
lutam para conquistar os seus direitos, enfrentam mineradoras e outras
empresas, e têm uma luta só, só muda a identidade de cada uma”, comenta Ana
Paula Santos, após dois dias de troca de saberes e experiências. A jovem, da
comunidade de fundo de pasto Riacho Grande, em Casa Nova (BA), foi uma das
participantes do Encontro das Comunidades e Povos Tradicionais, realizado nos
dias 30 e 31 de agosto, em Senhor do Bonfim (BA).
Organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Encontro
reuniu integrantes de comunidades de fundo e fecho de pasto e quilombolas de
diversos municípios das regiões das Dioceses de Senhor do Bonfim, Juazeiro, Ruy
Barbosa, Barra e Irecê.
Durante dois dias, os/as participantes analisaram e debateram
sobre o contexto político atual, nos âmbitos federal e estadual, e suas
consequências nos conflitos territoriais que grande parte das comunidades presentes
enfrentam há décadas. Para estimular a análise de conjuntura e a reflexão
grupal, foram convidadas a marisqueira e quilombola Eliete Paraguassu, da
comunidade Ilha de Maré de Salvador, e a professora de direito agrário da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Tatiana Emília Dias.
Um dos pontos destacados na análise foi a já manifestada vontade do
Governo Federal de bloquear os processos de demarcação territorial das
comunidades quilombolas no Brasil. Gestos concretos neste sentido foram a
transferência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
para a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério de Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (Mapa) e o irrisório orçamento dedicado aos processos de desapropriação para todo o Brasil em 2019. A Secretaria é
comandada por Nabhan Garcia, ligado à União Democrática Ruralista (UDR) e
adversário declarado dos movimentos sociais do campo. Isso, na prática, têm
inviabilizado qualquer tentativa das comunidades para tornar concreto seu
direito de reconhecimento territorial.
“Nos encontros a gente consegue enxergar apoio que fortalece a
luta e nos ajuda a pensar estratégias, porque é isso que tá faltando nos
territórios para enfrentar esse modelo tão perverso a ameaçador. A gente não
vai abrir mão das nossas casas, dos territórios pesqueiros, quilombolas, fundo
e fecho de pasto, porque são as heranças dos nossos antepassados e a gente
precisa garantir que os nossos filhos, netos e bisnetos encontrem um território
saudável”, afirmou Eliete Paraguassu.
Em relação aos territórios de fundo e fecho de pasto, foi exposto
que as comunidades “vivem em situação de tragédia”, devido à investida do
Governo Rui Costa de acabar com os processos de autorreconhecimento. Tatiana Dias destacou que o prazo imposto pelo Estado para o cadastro destas comunidades, expirado em 2018, vulnera os direitos dos povos
tradicionais. A professora chamou a atenção para o fato de que estes
povos são enquadrados na Convenção 169 da OIT, o que garante a possibilidade de
continuar reivindicando o autorreconhecimento e outros direitos.
As lideranças comunitárias presentes no Encontro questionaram o
papel controlador do Estado no que se refere ao estabelecimento de políticas de
autoidentificação e reconhecimento dos povos
tradicionais. A questão identitária para os povos tradicionais funciona como um
dos princípios de emancipação, diferente de como vem sendo tratada pelo Estado.
Durante os debates, os/as participantes destacaram que existem comunidades de
fundo e fecho de pasto que são ao mesmo tempo quilombolas, e aquelas que são
pescadoras e agriculturas paralelamente.
Romário Macedo, da comunidade quilombola Jequitibá de Mundo Novo, avalia
que este foi um encontro diferente porque discutiu de forma conjunta as pautas
das comunidades quilombolas e de fundo e fecho de pasto. “É muito importante a
gente ver as lutas das comunidades tradicionais para refletir nas nossas. Se
todas as comunidades tradicionais se unirem para buscar melhorias e resolver
seus problemas, aí sim a coisa vai andar”, disse.
Texto e fotos: Comunicação CPT Bahia
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