RURALISTAS INSTALAM COMISSÃO DA PEC 215 SOB GRITOS DE “ASSASSINOS!”
Sob gritos de “Assassinos! Assassinos!”, deputados ruralistas
instalaram na noite desta terça (10), Dia Internacional dos Direitos
Humanos, a Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
215.A medida visa transferir do Executivo para o Legislativo a
aprovação da demarcação das terras indígenas, quilombolas e áreas de
proteção ambiental. Nesta quarta, às 14 horas, ocorrerá a primeira
sessão da comissão para a nomeação da mesa diretora.
A comissão
poderá ter Omar Serraglio (PMDB/PR) como relator. O ruralista foi o
relator da PEC 215 enquanto ela tramitava pela Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ), sendo levada à mesa diretora com parecer favorável de
Serraglio e também sob protestos dos povos indígenas e quilombolas.
Há
quase dois anos, as mobilizações indígenas e da opinião pública
evitavam a comissão. A CNBB se posicionou contra e juristas como Dalmo
de Abreu Dallari e José Frederico Marés chamaram a atenção dos
parlamentares à inconstitucionalidade da PEC 215, em audiência que
contou com deputados da bancada ruralista.
O ministro Luiz
Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), em recente parecer
sobre liminar que pedia a interrupção da PEC 215 na Câmara Federal,
declarou que não iria impedi-la de tramitar, sobretudo porque ela ainda
estava em fase de análise, mas atestou a inconstitucionalidade da
proposta.
Depois de tantos ataques sofridos, fato é que a PEC 215
foi preterida pela própria bancada ruralista, que atacou com a Proposta
de Lei Complementar (PLP) 227, entre outras, e na expectativa de ver a
demarcação das terras indígenas alteradas por força de portaria do
Ministério da Justiça. Nas regiões, intensificou os ataques contra
comunidades indígenas, ameaças de morte e no Mato Grosso do Sul até um
leilão de gado e soja, com fundos revertidos para a contratação de
“seguranças” e armas contra os indígenas, chegou a ser organizado.
O
que se viu nesta terça, 10, foi uma verdadeira demonstração de que a
truculência da bancada ruralista não atende ou respeita nada além do que
a própria natureza do grupo, de caráter udenista e que traz em si o
autoritarismo como metodologia política. Façamos uma revisão de como a
comissão foi instalada.
O início da história
A
instalação da PEC 215, nesta terça, atende a dois episódios: um passado
e outro futuro. Na semana passada, o ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, testou uma portaria, sem número, que visava regulamentar o
Decreto 1775/96, alterando o procedimento de demarcação das terras
indígenas numa tentativa de atender aos desejos da bancada ruralista.
O
movimento indígena apresentou resistência e exigiu que a portaria,
ainda em forma de minuta, espécie de esboço, não fosse publicada. Na
semana passada, em passeata que saiu da 5ª Conferência Nacional de
Política Indigenista, os indígenas ocuparam a parte externa do Palácio
do Planalto e seguiu em protesto ao Ministério da Justiça.
Em
reunião entre lideranças da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) e o
ministro Cardozo, ficou definido que a minuta da portaria passaria por
consulta nas comunidades, audiências públicas e debates. A bancada
ruralista, que esperava a publicação para este ano, ficou bastante
descontente.
A Frente Parlamentar Agropecuária logo reagiu e nas
redes sociais divulgaram que o “cardápio” do almoço dos “comensais” da
bancada, numa mansão de Brasília, seria a questão indígena, o trabalho
escravo e as eleições de 2014. Aqui reside o episódio futuro: as
eleições do ano que vem.
Os ruralistas não poderiam terminar o
ano sem ao menos uma conquista para levar às bases do setor país afora,
tal como ocorreu com o novo Código Florestal. Sem a portaria de Cardozo,
previamente debatida com a bancada ruralista, algo precisava ser salvo e
a PEC 215 era o ataque mais avançado.
Durante este ano, o
presidente da Câmara Federal, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), criou a
Comissão Especial. Faltava apenas instalá-la. Até esta ocasião, porém, o
movimento indígena, em abril, ocupou o Plenário Ulysses Guimarães e
dali uma Comissão Paritária foi formada para analisar todos os projetos
envolvendo a questão indígena em tramitação na Câmara.
Mesmo com
parecer contrário à PEC 215 emitido pela Comissão Paritária, formada por
indígenas e parlamentares, Alves criou a Comissão Especial para
analisar a proposta. Mais uma vez um mecanismo político criado serviu
apenas de fachada ao golpe previamente acertado. Nesta terça não foi
diferente.
A metade da história
Na manhã
desta terça, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, o ministro
da Justiça José Eduardo Cardozo, o ministro Luiz Inácio Adams, da
Advocacia-Geral da União (AGU) e o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, estiveram em audiência com a bancada ruralista, que pedia
a instalação da PEC 215. Mesa da Câmara, Ministério da Justiça, AGU e
PGR não conseguiram convencer os ruralistas e lavaram as mãos.
Alves
então deixou a decisão para o Colégio de Líderes, na medida em que ele
já tinha criado a Comissão Especial e tentava um acordo com as bancadas
de PT, PSB, PSOL, PCdoB, PV e Solidariedade para que eles indicassem
membros para a comissão. Seria constrangedor ele, como presidente da
Câmara, instalar uma comissão apenas com os deputados ruralistas.
O
imbróglio ganhou ainda mais atenção com os olhos do mundo voltados ao
Brasil, por conta do Dia Internacional dos Direitos Humanos. À Tarde,
todavia, depois de acirrado debate no Colégio de Líderes, decidiu-se
pela instalação da comissão às 18 horas, no plenário 12. Alves, porém,
seguiu dizendo que não instalaria. A Agência Câmara noticiou a
instalação, depois negou o fato e na sequência novamente voltou a
afirmar que a comissão seria instalada.
A confusão foi
providencial e parte de um golpe bem engendrado pelos ruralistas. Sem
Alves, os deputados ruralistas se ampararam no Regimento Interno da
casa: como a comissão já estava criada, as regras permitem que o mais
velho entre os deputados indicados para compor a comissão presida a
sessão de instalação. Sem comunicar previamente os parlamentares sobre a
decisão de instalar e o novo horário, os ruralistas esperaram o fim da
ordem do dia para, em poucos minutos, consumar o golpe.
Não sem resistência dos indígenas e de parlamentares contrários aos desmandos ruralistas.
“Assassinos! Assassinos!”
Cerca
de 60 indígenas, entre Munduruku, bancada indígena da Comissão Nacional
de Política Indigenista e Apib, ocuparam o plenário 13, da Câmara
Federal, durante a instalação da Comissão Especial da PEC 215. Sob
gritos de “Assassinos! Assassinos!” e “Demarcação Já!”, os ruralistas,
em menos de 10 minutos, instalaram a comissão tentando impedir que
parlamentares contrários ao ato falassem.
Mais cedo, porém,
quando os Munduruku chegaram ao Congresso Nacional, agentes da Polícia
Legislativa tentaram evitar que os indígenas entrassem na Câmara. “A PEC
215 não vai acontecer mais hoje. Podem ir embora”, diziam. No entanto,
os Munduruku forçaram a entrada.
A eles foi prometido, pelos
policiais, acomodações no plenário 16, para esperar a chegada do
deputado federal Padre Ton (PT/RO), presidente da Frente Parlamentar de
Defesa dos Povos Indígenas. O tempo correu até a chegada da informação
de que no plenário 13 os ruralistas buscavam instalar a comissão.
Impedidos
de chegar ao plenário, os Munduruku, mais uma vez, forçaram a passagem,
confrontando a Polícia Legislativa. Tudo muito bem costurado: a Polícia
Legislativa enrolou os indígenas num canto da Câmara, enquanto os
ruralistas davam o golpe sorrateiro. Depois de princípio de tumulto, os
Munduruku foram levados ao plenário 16.
Ou seja, três
plenários para trás estavam os ruralistas. O espaço entre um e outro se
tornou uma verdadeira Faixa de Gaza: de um lado os indígenas, em
intifada, e de outro os invasores de suas terras tentando consumar o
golpe. Depois de algumas horas, os indígenas furaram o cerco e se
dirigiram ao plenário 13. A Polícia Legislativa recuou para dentro do
plenário. Acuados e visivelmente com medo, os ruralistas rapidamente
instalaram a comissão e saíram de cabeça baixa.
A história longe de ter fim
Para
quem achava que a PEC 215 estava morta, eis que ela ressuscitou junto
com o udenismo ruralista. A comissão, que deverá ter 40 sessões, é a
ante-sala para a votação em plenário, e tanto em um espaço quanto no
outro os ruralistas possuem grande força parlamentar.
O movimento
indígena, por outro lado, tem mostrado grande capacidade de
mobilização, o que deve ser ampliado não só em Brasília, mas também nas
regiões. “Agora é seguir nos movimentos. A conjuntura tem demonstrado
que aos povos indígenas não restam mais nada além da mobilização.
Executivo, Legislativo e parte do Judiciário estão contra nós”, declarou
Sônia Guajajara, da Apib, depois de instalada a comissão.
Esta
história, porém, está longe de ter um fim. Pela primeira vez em
Brasília, o cacique Saw Joapompu Munduruku, que luta pela demarcação de
seu povo no Médio Tapajós e contra a Usina Hidrelétrica de São Luiz,
relatou uma profecia Munduruku antiga, contada de geração a geração:
“A
terra Munduruku, e agora entendemos que dos demais parentes, seria
invadida e roubada. Teria outro nome, o que é hoje Brasil. A profecia
disse que lutaríamos durante muito tempo apenas por pequenos pedaços
dela, onde estão enterrados os antepassados. Muitos desapareceriam,
seriam mortos, mas a luta poderia garantir essas terras. Quando me
falaram dessa PEC pensei na profecia, que diz outras coisas. Vamos lutar
até o fim”.
Fonte: Brasil de Fato
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