DIOCESE DE JUAZEIRO REALIZA CAPACITAÇÃO SOBRE TRÁFICO HUMANO



O tráfico humano é uma realidade aviltante, pois atenta contra a dignidade e a liberdade humanas. Na certeza de que “é para a liberdade de Cristo nos libertou” (Gl. 5,1), a Igreja do Brasil, neste ano de 2014, propõe o aprofundamento da reflexão, sobretudo durante o tempo quaresmal, da realidade do tráfico de seres humanos. Este é na verdade a forma mais comum de escravidão em nossos dias.

Entre os dias 07 e 09 de março de 2014, a Diocese de Juazeiro/BA promoveu um encontro de formação, que aconteceu na localidade de Carnaíba do Sertão situada no município de Juazeiro. O objetivo foi apresentar e refletir a realidade do tráfico de pessoas, bem como discutir estratégias de combate ao tráfico que serão desenvolvidas nas várias paróquias que compõem a Diocese de Juazeiro.


A exploração de pessoas vendidas no submundo do tráfico ocorre tendo em vista o cumprimento de três finalidades: ou a exploração sexual, ou a laboral ou para fins de remoção de órgãos. Nas três situações, a pessoa humana é reduzida à condição de simples mercadoria geradora de lucro. Portanto, na rede do tráfico alguns lucram, enquanto muitos são explorados sob a indiferença daqueles que se omitem ou se silenciam diante desde crime que ganhou tamanha proporcionalidade após o triunfo do capitalismo e a consolidação da sociedade globalizada.
Reduzida à condição de objeto gerador de lucro, a pessoa esvazia-se de sua humanidade, pois o comércio de seres humanos destrói a dignidade e a liberdade da pessoa humana. “As principais situações características do tráfico humano são as situações de exploração: exploração do corpo da pessoa, da pessoa como tal reduzida ao estado de objeto, de coisa, de mercadoria, que deve produzir lucro para seu dono, seja na exploração do trabalho dela, do trabalho produtivo, seja na exploração da prostituição dessa pessoa, seja na exploração dos seus órgãos vitais, que passam a ser comercializados de forma ilegal, seja na exploração de outras formas que reduzem a pessoa, por exemplo, transformar uma criança em soldado, ou em mendigo, ou em carregador de droga. Essas são situações que atentam [tanto contra] a dignidade dessa pessoa, tanto quanto a sua liberdade”, afirmou frei Xavier Plassat, membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que assessorou o encontro diocesano de formação.

Ainda segundo frei Xavier, cujo trabalho rendeu-lhe o Prêmio Nacional de Direitos Humanos em 2008, “combater essas situações, os mecanismos que permitem que elas continuem, realmente é defender a liberdade e a dignidade [humanas]”.

De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2012, atualmente existem cerca de 21 milhões de pessoas submetidas a trabalhos forçados no mundo. No Brasil, a maioria das pessoas libertadas de atividades análogas à escravidão no ano de 2013 estava trabalhando na construção civil. A Bahia foi o quarto estado no fornecimento de trabalhadores. O primeiro foi o Maranhão. A maioria dos trabalhadores é composta por homens analfabetos com idade de 35 anos.

Segundo frei Xavier, a melhor estratégia de combate ao tráfico humano é, primeiro, “abrir o olho”. “Se o tráfico continua e prospera é porque ele se beneficia de sua invisibilidade”, alerta o frei dominicano. Segundo, negar a tendência de se naturalizar a situação do trabalho forçado e indigno como sendo algo normal ou mesmo cultural. Em seguida, acolher as vítimas e não ter medo de denunciar esta realidade de trabalho explorado às autoridades competentes.

Os participantes do encontro de formação, após refletirem sobre a realidade do tráfico humano em suas comunidades, propuseram várias estratégicas que podem ser trabalhadas durante a Quaresma, bem como neste ano de 2014 e que certamente ajudarão a conscientizar as pessoas a respeito do tráfico humano. Organizar mobilizações com o apoio de parceiros empenhados na luta contra o tráfico, formular denúncias junto a entidades, como, por exemplo, a CPT, alertar a população sobre a realidade do tráfico de pessoas durante as romarias em defesa da vida e nas festas de padroeiros e fazer campanhas contra o comércio de pessoas nas rádios comunitárias foram algumas estratégias apresentadas. Ademais, ficou acertada a confecção de um folder a nível diocesano com informações importantes sobre o tráfico humano e que poderá ser divulgado nas mobilizações e nas escolas.

O Brasil tornou-se referência no combate ao tráfico humano para fins de exploração laboral, sobretudo após o ano de 1995, quando o Estado brasileiro reconheceu oficialmente a existência de trabalho escravo no Brasil. Porém, a mobilização contra a chamada escravidão moderna iniciou-se nos anos 1970, destacando-se o trabalho profético e corajoso de Dom Pedro Casaldáliga junto à Comissão Pastoral da Terra.

A idolatria do dinheiro está na raiz do tráfico humano. Segundo estimativas feitas por organizações internacionais, como, por exemplo, a ONU (Organização das Nações Unidas), o tráfico de pessoas movimenta mais de 30 bilhões dólares anuais. O tráfico humano para fins de exploração sexual é responsável por 85% desde valor. As redes criminosas geralmente acontecem em espaços de entretenimento, de moda, agências de emprego, telessexo etc. Uma vez aliciadas, as vítimas do tráfico dificilmente conseguem se desvincular das redes de exploração sexual até que paguem sua “dívida” para com o aliciador. As vítimas do tráfico geralmente são mulheres de 18 a 21 anos de idade, crianças e adolescentes, afro-descendentes ou índias e pobres.

Segundo Fernanda Lins, coordenadora da Pastoral da Mulher de Juazeiro, pode haver uma articulação entre o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e outras formas de tráfico, como, por exemplo, o comércio de drogas. “A exploração sexual muitas vezes acontece na modalidade da prostituição. A mulher é traficada com o fim de exploração sexual e aí neste contexto da prostituição pode existir também a droga tanto o uso, o consumo, como a venda”, relatou Fernanda. Ainda segundo a coordenadora da Pastoral da Mulher, as vítimas do tráfico muitas vezes recorrem ao uso de drogas para conseguirem fazer vários programas numa mesma noite.

O Brasil é um grande fornecedor de mulheres que são usadas para atender a demanda, principalmente, de países europeus. Os dados do Ministério da Justiça de 2003 revelaram que 32% das vítimas da exploração sexual tiveram como destino a Espanha, 11% a Holanda, 10% a Venezuela, 9% a Itália, 8% Portugal e 7% o Paraguai.

Muitas crianças e adolescentes são também exploradas sexualmente. “O tráfico para fins de exploração sexual não faz a captação só de mulheres adultas. Crianças e adolescentes podem ser captadas pela rede do tráfico e aí a gente vê que hoje na modalidade existe também o sexo virtual, a pedofilia, que é tudo parte deste contexto. Infelizmente, existem muitas adolescentes, tanto aqui na região como no Brasil todo sendo exploradas sexualmente”, afirmou Fernanda Lins, que juntamente com a Pastoral da Mulher faz parte da rede um Grito Pela Vida, que é uma rede de religiosas articulada com a rede internacional Talita Kum, responsável pelo trabalho de sensibilização para com o tráfico.
Desconstruir a imagem externa do Brasil como sendo um “paraíso do turismo sexual” é fundamental na luta contra o tráfico para fins de exploração sexual. Apesar de existiram várias instituições que lutam contra o tráfico sexual, o Brasil ainda estar engatinhando no combate à exploração sexual. “Infelizmente o tráfico ainda é uma realidade pouco conhecida, acontece do nosso lado, mas muitas pessoas ainda não conhecem. A gente já ouviu depoimentos de mulheres que vão para fora e que dizem ‘eu nem sabia que isso era tráfico, que eu estava sendo traficada’”, relevou Fernanda Lins.

Os participantes do encontro de formação avaliaram o evento de modo positivo. Agora é arregaçar as mangas e trabalhar as estratégias de combate ao tráfico humano nas suas comunidades, buscando força em Deus, inspiração no Espírito Santo e seguindo o exemplo de Jesus, que disse que veio ao mundo para que todos tivessem vida em plenitude e abundância.
A catequista do grupo de primeira comunhão da paroquia santo Antônio de Pilão Arcado, Eliane, afirmou que o encontro foi positivo, “porque nos deu a bagagem para trabalharmos em nossas comunidades e nos ajudou, a nós como animadores, coordenadores de grupo a identificarmos esse tipo de situação [do tráfico de pessoas]. A gente sabe que existe, mas às vezes a gente não dá este nome de tráfico”. “A melhor forma de se trabalhar [o combate ao tráfico] é realmente conscientizando as pessoas que ele existe. Como [nós trabalhamos num] grupo de adolescentes a gente sabe que existe esta questão das pessoas aliciarem menores para trabalhar no trabalho sexual. [Então] é trabalhar com eles, mostrar que existe, que eles precisam ficar atentos e que quando existem as festinhas, as baladas, os DJs em que eles estão presentes [às vezes] existem pessoas que vão ali para aliciar”, sugeriu Eliane.
Para o pe. José Erimateia, pároco da paróquia de Uauá, o encontro de formação para a Campanha da Fraternidade foi “muito profundo, [pois] vamos sair com muitos elementos para trabalharmos nas paroquias e buscando sempre parcerias com as escolas, com os órgãos, que são responsáveis por algumas ações concretas, e assim eu creio que faremos um grande gesto concreto durante a Quaresma e durante o ano todo”. Nas paróquias, os padres têm como “função fazer a animação, com as pastorais, movimentos e comunidades e estar sempre inserido no trabalho, não se afastar dessa dimensão, mas estar como animador e também como protagonista desse trabalho junto com as pastorais e movimentos”, afirmou padre José Erimateia. 

Informações de Marcos Paulo (Pascom-Remanso) Foto: CPT, Diocese de Juazeiro 

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