Declaraçao do Encontro Nacional Unitario dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Aguas e das Florestas
Publicado
em 22/08/2012
Por Terra, Território e Dignidade!
Após
séculos de opressão e resistência, “as massas camponesas oprimidas e
exploradas”, numa demonstração de capacidade de articulação, unidade política e
construção de uma proposta nacional, se reuniram no “I Congresso Nacional dos
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas sobre o caráter da reforma agrária”, no
ano de 1961, em Belo Horizonte. Já nesse I Congresso os povos do campo,
assumindo um papel de sujeitos políticos, apontavam a centralidade da terra
como espaço de vida, de produção e identidade sociocultural.
Essa
unidade e força política levaram o governo de João Goulart a incorporar a
reforma agrária como parte de suas reformas de base, contrariando os interesses
das elites e transformando-se num dos elementos que levou ao golpe de 1964. Os
governos golpistas perseguiram, torturaram, aprisionaram e assassinaram
lideranças, mas não destruíram o sonho, nem as lutas camponesas por um pedaço
de chão.
Após
décadas de resistência e denuncias da opressão, as mobilizações e lutas sociais
criaram condições para a retomada e ampliação da organização camponesa, fazendo
emergir uma diversidade de sujeitos e pautas. Junto com a luta pela reforma
agrária, a luta pela terra e por território vem afirmando sujeitos como sem
terra, quilombolas, indígenas, extrativistas, pescadores artesanais,
quebradeiras, comunidades tradicionais, agricultores familiares, camponeses,
trabalhadores e trabalhadoras rurais e demais povos do campo, das águas e das
florestas. Neste processo de constituição de sujeitos políticos, afirmam-se as
mulheres e a juventude na luta contra a cultura patriarcal, pela visibilidade e
igualdade de direitos e dignidade no campo.
Em nova
demonstração de capacidade de articulação e unidade política, nós homens e
mulheres de todas as idades, nos reunimos 51 anos depois, em Brasília, no
Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e Trabalhadoras, Povos do Campo,
das Águas e das Florestas, tendo como centralidade a luta de classes em torno
da terra, atualmente expressa na luta por Reforma Agrária, Terra, Território e
Dignidade.
Nós
estamos construindo a unidade em resposta aos desafios da desigualdade na
distribuição da terra. Como nos anos 60, esta desigualdade se mantém
inalterada, havendo um aprofundamento dos riscos econômicos, sociais, culturais
e ambientais, em conseqüência da especialização primária da economia.
A
primeira década do Século XXI revela um projeto de remontagem da modernização
conservadora da agricultura, iniciada pelos militares, interrompida nos anos
noventa e retomada como projeto de expansão primária para o setor externo nos
últimos doze anos, sob a denominação de agronegócio, que se configura como
nosso inimigo comum.
Este projeto, na sua essência, produz desigualdades
nas relações fundiárias e sociais no meio rural, aprofunda a dependência externa
e realiza uma exploração ultrapredatória da natureza. Seus protagonistas são o
capital financeiro, as grandes cadeias de produção e comercialização de commodities de escala mundial, o latifúndio e o
Estado brasileiro nas suas funções financiadora – inclusive destinando recursos
públicos para grandes projetos e obras de infraestrutura – e (des)reguladora da
terra.
O projeto
capitalista em curso no Brasil persegue a acumulação de capital especializado
no setor primário, promovendo super-exploração agropecuária, hidroelétrica,
mineral e petroleira. Esta super-exploração, em nome da necessidade de
equilibrar as transações externas, serve aos interesses e domínio do capital
estrangeiro no campo através das transnacionais do agro e hidronegócio.
Este
projeto provoca o esmagamento e a desterritorialização dos trabalhadores e
trabalhadoras dos povos do campo, das águas e das florestas. Suas conseqüências
sociais e ambientais são a não realização da reforma agrária, a não demarcação
e reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas, o aumento da
violência, a violação dos territórios dos pescadores e povos da floresta, a
fragilização da agricultura familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores
e consumidores a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação
ambiental. Há ainda conseqüências socioculturais como a masculinização e o
envelhecimento do campo pela ausência de oportunidades para a juventude e as
mulheres, resultando na não reprodução social do campesinato.
Estas
conseqüências foram agravadas pela ausência, falta de adequação ou caráter
assistencialista e emergencial das políticas públicas. Estas políticas
contribuíram para o processo de desigualdade social entre o campo e a cidade, o
esvaziamento do meio rural e o aumento da vulnerabilidade dos sujeitos do
campo, das águas e das florestas. Em vez de promover a igualdade e a dignidade,
as políticas e ações do Estado, muitas vezes, retiram direitos e promovem a
violência no campo.
Mesmo
gerando conflitos e sendo inimigo dos povos, o Estado brasileiro nas suas
esferas do Executivo, Judiciário e Legislativo, historicamente vem investindo
no fortalecimento do modelo de desenvolvimento concentrador, excludente e
degradador. Apesar de todos os problemas gerados, os sucessivos governos –
inclusive o atual – mantêm a opção pelo agro e hidronegócio.
O Brasil,
como um país rico em terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai o
capital especulativo e agroexportador, acirrando os impactos negativos sobre os
territórios e populações indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e
camponesas. Externamente, o Brasil vem se tornando alavanca do projeto
neocolonizador, expandindo este modelo para outros países, especialmente na
América Latina e África.
Torna-se
indispensável um projeto de vida e trabalho para a produção de alimentos
saudáveis em escala suficiente para atender as necessidades da sociedade, que
respeite a natureza e gere dignidade no campo. Ao mesmo tempo, o resgate e
fortalecimento dos campesinatos, a defesa e recuperação das suas culturas e
saberes se faz necessário para projetos alternativos de desenvolvimento e
sociedade.
Diante
disto, afirmamos:
1)
a reforma agrária como política essencial de desenvolvimento justo,
popular, solidário e sustentável, pressupondo mudança na estrutura fundiária,
democratização do acesso à terra, respeito aos territórios e garantia da
reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.
2)
a soberania territorial, que compreende o poder e a autonomia dos povos em
proteger e defender livremente os bens comuns e o espaço social e de luta que
ocupam e estabelecem suas relações e modos de vida, desenvolvendo diferentes
culturas e formas de produção e reprodução, que marcam e dão
identidade ao território.
3)
a soberania alimentar como o direito dos povos a definir suas próprias
políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de
alimentos que garantam o direito à alimentação adequada a toda a população,
respeitando suas culturas e a diversidade dos jeitos de produzir, comercializar
e gerir estes processos.
4)
a agroecologia como base para a sustentabilidade e organização social e
produtiva da agricultura familiar e camponesa, em oposição ao modelo do
agronegócio. A agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na
agricultura, que preserva a biodiversidade, os ecossistemas e o patrimônio
genético, que produz alimentos saudáveis, livre de transgênicos e agrotóxicos,
que valoriza saberes e culturas dos povos do campo, das águas e das florestas e
defende a vida.
5)
a centralidade da agricultura familiar e camponesa e de formas tradicionais de
produção e o seu fortalecimento por meio de políticas públicas estruturantes,
como fomento e crédito subsidiado e adequado as realidades; assistência técnica
baseada nos princípios agroecológicos; pesquisa que reconheça e incorpore os
saberes tradicionais; formação, especialmente da juventude; incentivo à
cooperação, agroindustrialização e comercialização.
6)
a necessidade de relações igualitárias, de reconhecimento e respeito mútuo,
especialmente em relação às mulheres, superando a divisão sexual do trabalho e
o poder patriarcal e combatendo todos os tipos de violência.
7)
a soberania energética como um direito dos povos, o que demanda o controle
social sobre as fontes, produção e distribuição de energia, alterando o atual
modelo energético brasileiro.
8)
a educação do campo, indígena e quilombola como ferramentas estratégicas para a
emancipação dos sujeitos, que surgem das experiências de luta pelo direito à
educação e por um projeto político-pedagógico vinculado aos interesses da
classe trabalhadora. Elas se contrapõem à educação rural, que tem como
objetivo auxiliar um projeto de agricultura e sociedade subordinada aos
interesses do capital, que submete a educação escolar à preparação de
mão-de-obra minimamente qualificada e barata e que escraviza trabalhadores e
trabalhadoras no sistema de produção de monocultura.
9)
a necessidade de democratização dos meios de comunicação, hoje concentrados em
poucas famílias e a serviço do projeto capitalista concentrador, que
criminalizam os movimentos e organizações sociais do campo, das águas e das
florestas.
10)
a necessidade do reconhecimento pelo Estado dos direitos das populações
atingidas por grandes projetos, assegurando a consulta livre, prévia e
informada e a reparação nos casos de violação de direitos.
Nos
comprometemos:
1.
a
fortalecer as organizações sociais e a intensificar o processo de unidade
entre os trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das
florestas, colocando como centro a luta de classes e o enfrentamento ao
inimigo comum, o capital e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.
2.
a ampliar
a unidade nos próximos períodos, construindo pautas comuns e processos
unitários de luta pela realização da reforma agrária, pela reconhecimento,
titulação, demarcação e desintrusão das terras indígena, dos territórios
quilombolas e de comunidades tradicionais, garantindo direitos territoriais,
dignidade e autonomia.
3.
a
fortalecer a luta pela reforma agrária como bandeira unitária dos trabalhadores
e trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas.
4.
a
construir e fortalecer alianças entre sujeitos do campo e da cidade, em nível
nacional e internacional, em estratégias de classe contra o capital e em defesa
de uma sociedade justa, igualitária, solidária e sustentável.
5.
a lutar
pela transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela produção de
alimentos saudáveis, pela soberania alimentar, em defesa da biodiversidade e
das sementes.
6.
a
construir uma agenda comum para rediscutir os critérios de construção, acesso,
abrangência, caráter e controle social sobre as políticas públicas, a exemplo
do PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e extensão, dentre outras,
voltadas para os povos do campo, das águas e das florestas.
7.
a
fortalecer a luta das mulheres por direitos, pela igualdade e pelo fim da
violência.
8.
a ampliar
o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do
desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das
florestas.
9.
a lutar
por mudanças no atual modelo de produção pautado nos petro-dependentes, de alto
consumo energético.
10. a combater e denunciar a
violência e a impunidade no campo e a criminalização das lideranças e
movimentos sociais, promovidas pelos agentes públicos e privados.
11. a lutar pelo reconhecimento da
responsabilidade do Estado sobre a morte e desaparecimento forçado de
camponeses, bem como os direitos de reparação aos seus familiares, com a
criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória, verdade e justiça para
incidir nos trabalhos da Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos
políticos, visando a inclusão de todos afetados pela repressão.
Nós,
trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas
exigimos o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, pois o
campo não suporta mais. Seguiremos em marcha, mobilizados em unidade e
luta e, no combate ao nosso inimigo comum, construiremos um País e uma
sociedade justa, solidária e sustentável.
Brasília, 22 de agosto de 2012.
Associação
das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR)
Associação
das Mulheres do Brasil (AMB)
Associação
Brasileira de Reforma Agrária (ABRA)
Associação
Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)
Articulação
Nacional de Agroecologia (ANA)
Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Conselho
Indigenista Missionário (CIMI)
CARITAS
Brasileira
Coordenação
Nacional dos Quilombolas (CONAQ)
Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Comissão
Pastoral da Pesca (CPP)
Comissão
Pastoral da Terra (CPT)
Central
dos Trabalhadores do Brasil (CTB)
Central
Única dos Trabalhadores (CUT)
Federação
dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
Federação
dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF)
FASE
Greenpeace
INESC
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Marcha
Mundial das Mulheres (MMM)
Movimento
dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento
Camponês Popular (MCP)
Movimento
das Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento
das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE)
Movimento
dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento
dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento
Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
Oxfam
Brasil
Pastoral
da Juventude Rural (PJR)
Plataforma
Dhesca
Rede
Cefas
Sindicato
Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário
(SINPAF)
SINPRO
DF
Terra
de Direitos
Unicafes
VIA
CAMPESINA BRASIL
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