Desastre a céu aberto: Serra Pelada e vidas perdidas em nome do ouro

 
Quando os colonizadores espanhóis chegaram à América no século XV, os índios espalharam boatos de que, perdida na selva, havia uma cidade cheia de riquezas, com construções cobertas de ouro maciço. Desde então, centenas de exploradores, ao longo dos séculos, morreram na busca do mito do Eldourado ou El Dorado. Entre fevereiro e março de 1980, mais de 60 mil homens se embrenharam na Amazônia na esperança de encontrarem algo próximo à cidade perdida. Para muitos, uma viagem sem volta. 



Serra Pelada, a cerca de 35 quilômetros do município de Curianópolis, no sul do Pará, foi o destino escolhido por desbravadores modernos que apostaram a vida na esperança de enriquecerem instantaneamente. Considerado na época o maior garimpo a céu aberto do mundo, foram retiradas oficialmente cerca de 30 toneladas do metal precioso da cratera. Um peso pequeno comparado às angústias soterradas de milhares de trabalhadores que, ao invés de acharem ouro, perderam suas fantasias no garimpo. 



Uma história tão rica que será plano de fundo de um filme que está sendo rodado este ano, do diretor Heitor Dhalia, protagonizado pelo ator baiano Wagner Moura. José Henrique Silva, 55 anos, conta que em 1984 ressuscitou para a família depois de um desabamento em Serra Pelada: “Foi um acidente muito grande. Morreram 19 homens, uma correria só. Um deles se chamava José Henrique Silva e morava na mesma região que eu. Só tinha uma cabine telefônica e todo mundo foi lá mandar notícias pra família, ficou uma fila quilométrica. A televisão noticiava toda hora. Fiquei a tarde toda tentando ligar e não consegui. Peguei um pau-de-arara e voltei pra casa pra avisar que eu tava vivo”. 

Dois dias depois de tranquilizar os parentes em Axixá do Goiás, seu Henrique, como é mais conhecido, já estava de volta ao garimpo, onde ficou entre 1982 e 1984, guiado pela esperança de “bamburrar”: encontrar ouro na gíria dos garimpeiros. 
“Era um sacrifício entrar lá sem carteirinha. Quem era clandestino, como eu, tinha que entrar à noite, pelo meio do mato. Lá ninguém roubava ninguém. Tudo era vigiado pela Polícia Federal, quem comandava era o [Sebastião] Curió. Faziam a partilha de dinheiro em montes, como se fossem montes de mandioca”, relembra seu Henrique, que já esteve em garimpos no Mato Grosso, em Tucumã e até explorando a Serra dos Carajás.
“Eu nunca tive coragem de descer aquele buraco. Tinha mais de 180 metros de profundidade. Era uma multidão subindo e descendo as escadas. Elas eram chamadas ‘adeus, mamãe’ porque muita gente caia de lá. Aquilo era absurdo. As escadas tinham mais ou menos um metro de largura e muitos caras empurravam quem tava do lado só pra pessoa cair. No garimpo valia a lei do cão”, explica seu Henrique.
Nos garimpos, o explorador contraiu malária e deles trouxe na bagagem mais histórias do que ouro. Hoje, seu Henrique mora com a família na Cidade Nova, em Ananindeua, e trabalha na construção civil. Está oficialmente aposentado das aventuras do tempo em que presenciava homens empobrecerem e enriquecerem com a mesma velocidade que acumulavam 180 quilos de ouros. 

Raimundo da Cruz Neto, sociólogo e pesquisador especialista em conflitos na Amazônia, explica que os problemas sociais causados pela superpopulação na localidade do “Trinta”, que hoje é Curionópolis, só foram sentidas anos após o fim de Serra Pelada. “Depois que vão apurar os impactos do problema, é que vai aparecer a pobreza, a miséria. Havia muitos grupos diferentes, disputas de interesse, muita politicagem. Por isso aquela região é um dos maiores focos de reacionismo do país até hoje”, fala Raimundo.

A produção mineral decaiu com o passar dos anos e, em 1992, o presidente Fernando Collor de Mello ordenou que Serra Pelada fosse oficialmente selada. A empresa Vale do Rio Doce, estatal que tinha os direitos sobre a área, foi indenizada e permaneceu com a concessão até 2007. Foi neste ano que o Ministério das Minas e Energia persuadiu a mineradora a ceder 700 hectares da área à Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) para exploração mineral.

Trinta anos depois, após escândalos de corrupção recentes, a nova diretoria da Coomigasp trabalha para fazer Serra Pelada renascer sob a terra. Ao lado do grande garimpo que começou a ser aberto em 80, surge uma mina com um aspecto bem diferente do lugar que ficou conhecido como “formigueiro humano”. Ao contrário da exploração artesanal na superfície, a nova Serra Pelada é totalmente mecanizada e subterrânea.

Fruto de uma aliança entre a Coomigasp e a empresa de mineração Colossus, do Canadá, a Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (Spcdm), segundo sua assessoria de imprensa, segue padrões de segurança do trabalho internacionais. A prospecção mineral, prevista para começar ano que vem, será realizada em uma mina de, pelo menos, 400 metros de profundidade, o equivalente a um prédio de 120 andares. Mais trinta toneladas de ouro, além de metais como platina e paládio, devem ser retirados da terra. Há promessa de que a população local seja beneficiada com o empreendimento. 
(Diário do Pará)

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