SECA POLÍTICA OU POLÍTICA SECA? NOTA SOBRE A SITUAÇÃO DAS COMUNIDADES RURAIS NO NORTE DA BAHIA
Trinta
anos depois da seca de 1982, o território baiano se encontra em
estado de emergência devido às poucas chuvas deste ano. Para a
sociedade civil organizada o fenômeno não surpreende, já que
estudos sobre o comportamento das chuvas no Nordeste, realizados pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), concluíram que as
Secas são Cíclicas, portanto, Previsíveis.
O
Estado brasileiro sabia que haveria um período de estiagem este ano.
Mas o que fez para evitar que a situação das comunidades alcançasse
tamanha gravidade? É o momento de perguntar: Por que obras como a
Transposição do Rio São Francisco têm aumento bilionário
enquanto as adutoras que deveriam distribuir água para as populações
rurais do Nordeste não saem do lugar? Por quanto tempo ainda
persistirá a lógica de combate à seca que marca a atuação do
Estado em nosso território?
A
conseqüência disso é devastadora e desoladora. Hoje, a maioria das
cisternas está vazia ou com pouquíssima água. Os animais, se ainda
não foram vendidos aos atravessadores que se aproveitam da situação,
lutam diariamente para sobreviver em meio à escassez do líquido
precioso da vida. Não houve safra agrícola, nem apícola.
Paradoxalmente, na borda do lago de Sobradinho a produção foi
engolida pela cheia da “Mãe Chesf”.
A
cada dia aumenta a circulação de carros-pipa e, muitas vezes, com
preços absurdos, pagos pelas comunidades. No município de Campo
Alegre de Lourdes uma carrada de água (8.000 litros) chega a custar
R$ 700,00 (Setecentos Reais). Em ano eleitoral, a Indústria da Seca
ressurge com força, sustentada na necessidade do povo e alicerçada
na ausência de políticas públicas efetivas.
As
organizações populares defendem e executam com parcos recursos a
proposta da Convivência com o Semiárido, através da implementação
de Tecnologias Sociais. São elas que estão evitando situação tão
catastrófica para a população como em 1982. Constata-se que a
infraestrutura construída durante esses anos é ainda insuficiente
para enfrentar uma situação extrema como essa. Portanto, é hora de
o Estado brasileiro rever a política hídrica oficial, que continua
provocando o sofrimento de milhares de famílias sertanejas.
Estamos
em situação de emergência
Portanto,
pleiteamos medidas emergenciais e estruturantes para que a população
esteja cada vez mais preparada a conviver com esses períodos
extremos de diminuição das chuvas:
Medidas
Emergenciais:
- Abastecimento imediato e contínuo das cisternas com água tratada, bancada pelo Estado, logo, distribuída gratuitamente. Onde não for possível abastecer com água tratada, que seja acompanhada de hipoclorito para que as próprias famílias possam fazer em casa a filtragem e tratamento;
- Disponibilização de recursos do Estado para contratar mão de obra local a fim de construir e/ou manter obras estruturantes – cisternas (de cimento) de beber, de produzir, barragens subterrâneas, barreiros profundos, poços tubulares etc;
- Financiamento público para a alimentação dos animais;
- Criar comitês gestores municipais dos recursos públicos destinados às ações emergenciais, garantindo a representação majoritária da sociedade civil organizada;
Medidas
Estruturantes:
- Reconhecer o direito das comunidades no acesso e garantia das terras e territórios para democratizar a água;
- Continuar a infraestruturação das comunidades com as Tecnologias Sociais acima citadas (cisternas, barragens, barreiros etc.);
- Implementar as adutoras – ou serviços de água – previstas no Atlas de Águas do Nordeste (Agência Nacional de Águas) para 1.794 municípios: Alagoas (102); Bahia (417); Ceará (184); Maranhão (217); Paraíba (223); Pernambuco (185); Piauí (224); Rio Grande do Norte (167); Sergipe (75);
- Frear o avanço das mineradoras para, assim, preservar a pouca água existente, uma vez que em boa parte do território baiano há o risco de que as insuficientes fontes de água existentes virem depósitos de rejeitos da mineração;
- Irrigação: rever a política de irrigação que demanda o dinheiro público e constrói canais para os lotes irrigados, mas não abastece as populações com necessidades básicas de consumo humano. É necessário lembrar que a Lei Brasileira de Recursos Hídricos (9433/97) define que a disponibilidade de água deve priorizar o abastecimento humano e a dessedentação dos animais;
- Por fim, as organizações populares precisam fazer uma análise profunda de seu próprio comportamento, avaliando criticamente a questão da água no contexto geral do Semiárido, na apropriação privada de grandes extensões de terras, dos grandes volumes de água, na destinação dos grandes mananciais para o hidronegócio. É preciso incorporar à captação, armazenamento e distribuição da água de chuva a democratização das águas armazenadas nos grandes açudes do Nordeste.
Assinam
a nota:
Diocese
de Juazeiro (Em Comunhão e Solidariedade com as Paróquias afetadas:
Campo Alegre de Lourdes, Casa Nova, Remanso, Sobradinho, Sento Sé,
Pilão Arcado, Curaçá, Uauá e Juazeiro)
Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Remanso
Sindicato
dos Trabalhadores nas Empresas
Agrícolas, Agroindustriais e Agropecuárias dos municípios de
Juazeiro, Curaçá, Casa Nova, Sobradinho, Sento Sé (SINTAGRO-BA)
União
das Associações de Fundo de Pasto de Pilão Arcado
União
das Associações de Fundo de Pasto de Casa Nova
Articulação
Regional de Fundo de Pasto
Comissão
Pastoral da Terra (CPT)
Serviço
de Assessoria a Organizações Populares Rurais (SASOP)
Articulação
do Semiárido (ASA) – Casa Nova
Instituto
Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA)
Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Campo Alegre de Lourdes
Grupo
de Agroecologia Umbuzeiro (GAU)
Articulação
Popular São Francisco Vivo
Diretório
Central de Estudantes da Universidade Federal do Vale do São
Francisco (DCE UNIVASF)
Comitê
Regional da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
Articulação
Sindical da Borda do Lago de Sobradinho
Movimento
dos Pequenos Agricultores- MPA
Associação
de Assistência Técnica e Assessoria aos Trabalhadores Rurais e
Movimentos Populares (CACTUS)
Grupo
Regional de Economia Popular e Solidária (GREPS)
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