36º ROMARIA DA TERRA E DAS ÁGUAS DISCUTE OUTRO MODELO DE SOCIEDADE
“Fé pé no chão em sintonia com os problemas sociais”, é esse o sentido da Romaria da Terra e das Águas, para Cátia Cardoso, jovem da Pastoral da Juventude, da diocese de Barreiras-BA. Ela, junto a milhares de romeiros e romeiras participaram da 36ª edição da Romaria, no Santuário do Bom Jesus da Lapa, de 05 a 07 de julho.
O bispo de Bom Jesus da Lapa, dom José Valmor César Teixeira, presidiu a celebração eucarística de abertura do encontro, que contou com a participação de dom Luiz Flávio Cappio e outros religiosos. Em sua homilia, dom César enfatizou a importância dos papas João Paulo II – que viajou pelo mundo levando a mensagem de Jesus – e João XXIII, que revolucionou a Igreja com a convocação do Concílio Vaticano II abrindo as portas da Igreja para uma maior participação dos leigos e leigas e assumindo a opção preferencial pelos pobres. O bispo chamou a atenção também para a cruz, que em sua forma lembra aos cristãos de estarem conectados a Deus pela cabeça e coração, com os pés firmes na realidade e os braços abertos para os irmãos e irmãs.
A presença e participação dos jovens foi outro destaque da abertura do encontro. Eles subiram ao altar carregando a cruz de madeira, reafirmando-a como símbolo dos romeiros e romeiras e o a Romaria como espaço de renovação da fé e reavaliação das lutas do povo.
As manifestações populares que tomaram as ruas do país nas últimas semanas também foram mencionadas na abertura da missa como um sinal de que o povo clama por mudanças estruturais no modelo de sociedade em curso, justificando a escolha do tema da Romaria deste ano: A sociedade que temos, a sociedade que queremos?”, que para Naiara Bispo, romeira da diocese de Jequié e pela sétima vez na Romaria da Terra e das Águas, foi apropriado para o contexto atual. “É necessário sentir, perceber o que estamos vivendo e o que podemos melhorar no futuro. Pois, para dizer o que é bom ou ruim não precisa ser estudado, ter passado por um banco de universidade. Basta saber sentir e entender a dor do outro”.
Formação e experiência de luta marcam o segundo dia da Romaria
No segundo dia a Romaria da Terra e das Águas tomou conta da cidade com a realização dos plenarinhos em diversos espaços. Na gruta da Soledade os romeiros e romeiras discutiram o tema Terra e territórios: para onde vai a luta do campo? Em meio ao entra e sai dos peregrinos que visitavam o templo, o grupo refletiu sobre reforma agrária, grilagem, concentração fundiária, trazendo as contribuições e experiências de quem está na luta, a exemplo dos Fundos de Pasto de Correntina e do enfrentamento à barragem, pelo Movimento de Atingidos por Barragens – MAB, em Cocos-BA.
Ainda no centro da cidade a criança também teve voz com o plenarinho Crianças: queremos uma sociedade que nos acolha com dignidade. A história da Romaria e o seu significado, os tipos de violência que vitimam a infância e a necessidade de formação, desde pequeno, foi apresentada com uma linguagem lúdica, com muita música, teatro de fantoche, desenhos e dança. Os pais animados acompanharam a atividade e como crianças também participaram.
Na beira do Velho Chico, na capela dedicada ao Bom Jesus dos Navegantes, o plenarinho tratou do Saneamento e revitalização do Rio São Francisco através da memória dos 20 anos da peregrinação da nascente à foz do São Francisco por quatro missionários norteou a atividade trazendo a reflexão sobre a degradação que causa a morte do Velho Chico e dos seus ribeirinhos. “Aqui são passadas informações que nos animam a continuar reafirmando o compromisso com a natureza, com o São Francisco e com nossos irmãos”, pontua Adalgisa Jesus, de Correntina. Gabriela Amorim, de Bom Jesus da Lapa, concorda com Adalgisa sobre a importância do tema e a discussão. “Estes momentos da Romaria são oportunidades de ouvir pessoas diversas, já que reúne gente de outros estados, como Minas, Pernambuco, que estão aqui hoje e trazem suas histórias, apresentam problemas permanentes que se agravam, mas também experiências de luta e de esperança”.
A infraestrutura para garantir o avanço dos grandes projetos do capital foi discutida no plenarinho O negócio da água, do minério e do vento, na igreja São José. Os parques eólicos e construção de barragens, ou seja, geração de energia para beneficiar, por exemplo, as mineradoras foram destaque, bem como a forma como esses projetos vão sendo instalados, expulsando as comunidades tradicionais de suas terras com falsas promessas e até documentação irregular. “Achei o tema atual e urgente, pois precisamos de informações confiáveis para que a população possa fazer suas escolhas com coerência e não pressionadas por questões políticas e ou financeiras, além de sociais”, disse Sirlene Rosa de Souza, da cidade de Seabra.
Ao lado da igreja de São José, outro grupo refletiu sobre Fé e Política: Estado para que e para quem? no Centro de Treinamento de Líderes – CTL. O tema trouxe questões mais da conjuntura política e que estão presentes no cotidiano das pessoas, mas que nem sempre recebem o destaque merecido, como ilustra Rosely Carvalho, de Vitória da Conquista. “Essa discussão dá uma injeção de animo para todos nós lutarmos pelos nossos direitos. Esclareceu questões que a gente não pensa, como o programa Bolsa Família, arrecadação pública. Também mostrou que a fé não está dissociada da política e que devemos entender o evangelho de forma a colocá-lo em prática para transformar a sociedade”.
O espaço dos jovens foi garantido no plenarinho Juventude, Igreja e Sociedade realizado no Seminário Beato Gaspar. A alegria e irreverência típica da idade não tirou a seriedade das discussões, revelando que os jovens sabem o que querem e estão dispostos a participar da luta por uma sociedade mais justa e fraterna. “Estamos aqui com nossas bandeiras de luta, trazendo a nossa caminhada e desejo por mudanças”, falou Catia Cardoso, de Barreiras.
Clamor por mudanças sociais marca último dia 36ª Romaria da Terra e das Águas
Denúncias de violações de direitos socioambientais e propostas de luta por uma sociedade norteada pela justiça foram apresentadas na grande plenária da 36ª edição da Romaria da Terra e das Águas, na gruta da Soledade do Santuário do Bom Jesus da Lapa, na manha de domingo, 07/07, último dia do encontro.
Os romeiros e romeiras tomaram conta do espaço e de pé acolheram as homenagens ao patrono do encontro, dom José Rodrigues, bispo emérito de Juazeiro e que faleceu em 2012. A memória do bispo – fundador da Comissão Pastoral da Terra Bahia (CPT), foi um momento de grande emoção. Seu Joaquim Ferreira, retomou o período da ditadura militar, quando o religioso chegou nas terras baianas, em 1975, a luta do povo do semiárido atingido pela barragem de Sobradinho e a sua opção preferencial pelos pobres.
Após a homenagem, as discussões dos plenarinhos realizados no sábado, foram apresentadas à grande plenária, intercaladas por canções e poemas que animam a luta. O plenarinho Terra e Territórios: para onde vai a luta do campo? Trouxe as reflexões sobre o retrocesso na política de reforma agrária, marcado pela inexistência de novos assentamentos e edição de portarias pelo Governo Federal que inviabilizam qualquer possibilidade de conquista da terra pelos trabalhadores. O grupo chamou a atenção para a necessidade dos movimentos unificarem suas lutas e necessidade de avançar no reconhecimento dos territórios tradicionais – povos indígenas, quilombolas, fundo e fecho de pasto, pescadores artesanais – que sentem na pele a violência empreendida pelo Estado, empresas, grandes fazendeiros.
O negócio da água, do minério e do vento destacou o avanço dos grandes projetos do capital, a necessidade das comunidades se apropriarem da questão para defender seus territórios, articular o campo e a cidade e provocar os poderes públicos para que privlegiem projetos de vida das comunidades e assumam o compromisso com o povo.
Na sequência, o Fé e Política trouxe a reflexão sobre a importância da organização e participação popular fora da estrutura formal do estado e em sintonia com a fé pautada pela realidade social. O grupo destacou ainda a atuação do Estado, as promessas em torno das políticas públicas que não foram efetivas a contento, a exemplo do Bolsa Família, por conta de limitações orçamentárias.
Mostrando que criança tem voz e vez, a garotada ganhou um plenarinho exclusivo intitulado Crianças: queremos uma sociedade que nos acolha com dignidade. Como resultado de suas reflexões, elas levaram para a grande plenária a proposta de sociedade que querem para viver, com escolas, saúde, respeito à infância. Com cartazes, desenhos e poesias produzidas por eles, os pequenos mostraram que são romeiros e romeiras comprometidas com a luta pela justiça.
A alegria da juventude fez a Soledade vibrar. Subindo ao altar os jovens homenagearam Hugo Rosa Paixão, membro da Pastoral da Juventude de Barra, que faleceu em 2012, deixando a mensagem de não desistirem de lutar pelas causas populares. Como destaque do plenarinho Juventude, Igreja e Sociedade, apontaram a necessidade de formação dos conselhos de juventude nas cidades onde não existem; a valorização das Comunidades eclesiais de Base (CEBs); a luta pelo fortalecimento de politicas públicas para a juventude; incentivo para permanência do jovem nas comunidades e animação do protagonismo juvenil em sintonia com a realidade mantendo sempre viva as lutas sociais para uma sociedade mais participativa conciliando fé e vida.
O plenarinho Saneamento e Revitalização do Rio São Francisco foi aberto com uma homenagem a João Zinclar, que faleceu em 2012. As andanças de Zinclar retratando o rio, os ribeirinhos e ribeirinhas se relacionam com a memória dos 20 anos da peregrinação da nascente à foz do Velho Chico na afirmação de que o rio não vive sem o seu povo.
Sob as bênçãos do Bom Jesus da Lapa os romeiros e romeiras voltaram para as suas comunidades levando a mensagem de permanecer na luta.
Veja outros depoimentos de quem esteve na 36ª Romaria da Terra e das Águas:
“A Romaria está sendo muito produtiva. Os temas são atuais e importantes porque se o povo não discute vai sendo atrapalhado. Neste encontro a gente percebe a organização popular”. Flávia Lessa, Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, de Coco-BA,
“A temática da Romaria foi importante, pois levanta-se de novo a discussão sobre a sociedade e faz com que os romeiros mantenham o desejo de continuar o enfrentamento, fortalecendo a base. Na Romaria luta de um pequeno grupo passa a ser de todo mundo e não termina aqui. Aqui renovamos a esperança de botar o pé na estrada e permanecer na caminhada”. Bruno Conceição, Pastoral da Juventude, Salvador – BA.
“A Romaria acolhe o povo. Gostei muito de tudo, principalmente da convivência na rancharia”. Jucélia Santos, Movimento dos Acampados, Assentados e Quilombolas do Estado da Bahia (CETA), Itabuna.
“O grande plenário é muito importante para serem colocadas as pautas de reivindicação dos grupos excluídos”. Joseilto Purificação, Quilombola, Bom Jesus da Lapa.
“Estou vindo pela segunda vez, e de agora em diante não faltarei mais, pois aqui é o lugar de cultivar a cultura da piedade popular, tema social importante para ser discutido e levado de volta para as dioceses”. Adriana Padre, Vitória da Conquista.
“Vou para a Jornada Mundial da Juventude e levarei a mensagem da Romaria da Terra e das Águas de que é importante e necessária a vivência fraterna dos povos. Também vou levar a alegria do povo nordestino e a nossa caminhada de luta pela terra, soberania alimentar, agricultura familiar e contra o extermínio da juventude”. Amanda, Barreiras.
“É a primeira vez que venho para a Romaria. Estou achando tudo bom, vim com minha família e meus amigos da minha paróquia e trouxe a água para trocar com outros romeiros e romeiras em sinal de partilha”. Maria da Silva Gomes, Vitória da Conquista.
CPT Bahia
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