VIOLÊNCIA NO CAMPO BAIANO E BRASILEIRO É ALARMANTE
Nota de Entidades Sociais e Movimentos Populares da Bahia e do Brasil
A Comissão Pastoral da Terra da Bahia, a Associação
dos Advogados de Trabalhadores Rurais na Bahia e representantes de 34 Entidades Sociais e Movimentos Populares de todo
o País presentes no 6º Encontro “CESE e Movimentos Sociais” acontecido em Salvador
– BA, nos dias 13 e 14 de março de 2017, abaixo-nomeados, vêm a público
denunciar o agravamento dos conflitos agrários, com aumento da violência no
campo baiano e brasileiro e os rumos ainda mais preocupantes que este quadro
aponta.
Recebemos
com indignação a notícia da prisão pela Polícia Militar, de forma violenta e
arbitrária, de cinco camponeses da Comunidade de Fecho de Pasto de Porteira de
Santa Cruz, município de Serra Dourada. São eles Sérgio Pereira de Jesus, Antônio
de Jesus, José Pereira de Jesus, João José da Silva e Geneildo dos Santos Silva
– pais de família respeitados, vítimas das calúnias de seus algozes, cujo
“crime” foi defender o território onde há decênios plantam e criam para a
própria subsistência e de suas famílias, em regime de Fecho de Pasto, pelo qual
fazem uso comum de terras públicas devolutas, agora pretendidas por “douto
magistrado” mineiro. As acusações infundadas – roubo, porte de arma, dano
qualificado, esbulho possessório, associação criminosa –, em falso flagrante e
prisão preventiva decretada, revelam mais do processo em curso no País de
judicialização dos conflitos, progressiva criminalização das lutas sociais e de
suas lideranças e retrocesso institucional com perda generalizada e específica
de direitos arduamente conquistados na Constituição “Cidadã” de 1988 e na
Constituição do Estado da Bahia de 1989.
Este
não é um caso isolado, é só o mais recente e requintado. Dados ainda parciais
do Centro de Documentação “Dom Tomás Balduíno” da CPT revelam que em 2016 a
Bahia ocupou o terceiro lugar, com 11% do número de conflitos no campo
brasileiro, abaixo apenas de dois estados amazônicos. As principais vítimas
foram justamente as Comunidades Tradicionais Quilombolas e de Fundo e Fecho de
Pasto. E os causadores destes conflitos foram empreendimentos de mineração
(31,7% do total no estado) e de energia eólica, além da expansão do
agronegócio, que lançam mão da velha tática da grilagem de terras, com pressão
violenta sobre as comunidades, com foco nas lideranças.
Em
consequência, foi maior também em 2016 o número de assassinatos no campo baiano
– 04, sendo três por terra: João Pereira
– “João Bigode”, 56 anos, liderança da comunidade de Santana, que integra o
território quilombola de Tijuaçu, município de Antônio Gonçalves, em abril; Alexsandro dos Santos, 40 anos,
liderança da Comunidade Quilombola de São Francisco do Paraguaçú, município de
Cachoeira, em maio; Luiz Viana Lima–
“Luizão Tupinambá”, 54 anos, liderança indígena da Terra Indígena Tupinambá da
Serra do Padeiro, município de Buerarema, em novembro. O quarto foi por água: Marcus Vinicius de Oliveira – “Marcus
Matraga”, 57 anos, ambientalista, professor universitário aposentado, que
denunciava a destruição dos mangues por empreendimento de carcinicultura
(criação de camarão) na comunidade de Pirajuía, município de Jaquaripe, em
fevereiro. No Brasil, os assassinatos no campo foram 61 em 2016, 11 a mais que
em 2015. Em pouco mais de dois meses do ano em curso, já são 06 assassinatos,
02 dos quais de lideranças.
Se
a violência e o racismo contra os camponeses(as), trabalhadores(as) rurais sem
terra e povos tradicionais é uma constante na história do Brasil, desde a
primeira colonização, contra os povos indígenas, é evidente que os sucessivos
golpes que vêm ocorrendo contra o povo, desde o primeiro que foi o impedimento
da Presidenta Dilma, favorecem o recrudescimento dos conflitos agrários. A
ilegitimidade do governo golpista, sem voto e prenhe de corruptos, é a condição
requerida para a avalanche de mudanças institucionais em favor do capital,
contra os direitos sociais, como as reformas da Previdência Social e
Trabalhista, entre outras. No campo, além do desastre que seria o fim da
Previdência Rural, os retrocessos na legislação sobre o direito popular à terra
e aos territórios, somados à entrega de cerca de 40 milhões de hectares de terra
a estrangeiros, acarretariam violência ainda maior sobre os povos dos campos,
das águas e das florestas. Declarações como a novo Ministro da Justiça, o
ruralista Osmar Serraglio, de que “terras não enchem barriga”, trazem ainda
maiores preocupações, tal o escárnio com que lidam com nossos povos originários
e seus direitos territoriais garantidos pela Constituição. Não passarão!
Mais
uma vez e ainda mais, aqueles e aquelas que lutam por defender seus direitos fundamentais
são vítimas da tirania e da omissão do Estado refém do capital. Ao sucateamento
do INCRA e da FUNAI, soma-se na Bahia o enviesamento e morosidade da CDA quanto
a regularização dos territórios tradicionais, o que ocasiona conflitos
violentos e decisões injustas como os que vitimam a Comunidade de Porteira de
Santa Cruz.
As
entidades que subscrevem esta nota apelam à sociedade para a solidariedade
efetiva com as comunidades afetadas, divulgando informações idôneas sobre elas
e cobrando do Estado a atitude republicana que há muito abandonou, neste arremedo
de democracia que vivemos. No mais, somam-se ao crescente número de
organizações sociais e cidadãos e cidadãs descontentes e mobilizados contra os
atuais desmandos golpistas nos Três Poderes da República.
Por ocasião do Dia
Internacional das Mulheres, reafirmamos que, mesmo com os avanços havidos, não
há muito que se comemorar, pois as mulheres, em todos os ambientes, continuam
sendo oprimidas pelo machismo, sexismo, racismo e patriarcalismo ainda e muito
reinantes. Com elas, que não mais se calam e vão à luta, como desejamos que
ocorra com todos os setores populares nesta quadra tenebrosa de nossa história,
bradamos Fora Temer! Nenhum direito a
menos! Nenhuma, nenhum a menos!
Salvador,
14 de março de 2017.
Assinam:
Comissão
Pastoral da Terra da Bahia
Associação
dos Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia
CESE
– Coordenadoria Ecumênica de Serviços
Sociedade
das Mulheres Negras de Pernambuco
Movimento
Nacional da População de Rua – MNPR
Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Mobilização
dos Povos Indígenas do Cerrado – MOPIC / Rede Cerrado
KOINONIA
– Presença Ecumênica e Serviço
Articulação
para o Monitoramento dos Direitos Humanos o Brasil
Rede
Estadual dos Fundos Rotativos Solidários – Paraíba
Marcha
Mundial das Mulheres
Movimento
Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu – MIQCB
Movimento
pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Terre
des Hommes – Suisse
ELO
Ligação e Organização
MPP
– Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais
ANP
– Articulação Nacional das Mulheres Pescadoras
Conselho
Quilombola das Comunidades Quilombolas de Ilha de Maré – Salvador – BA
ASA
– Articulação do Semiárido Brasileiro
ANA
– Articulação Nacional de Agroecologia
MAB
– Movimento dos Atingidos por Barragem
AMB
– Articulação das Mulheres Brasileiras
Cunhã
Coletivo Feminista
Rede
de Mulheres em Articulação – PAMIBA
PAD
– Processo de Articulação e Diálogo
SOS
Corpo – Instituto Feminista para Democracia
MSTB
– Movimento Sem Teto da Bahia
COIAB
– Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
Rede
das Mulheres de Terreiro de Pernambuco
CONAQ
– Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas
Comitê
Bahia da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Coordenação
das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão – AMINA
CONEN
– Coordenação Nacional de Entidades Negras
Aty
Guassu Assembleia do Povo Guarani Kaiowá – Mato Grosso do Sul
Vida Brasil/Salvador-BA
Conselho
Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC.
Comentários
Postar um comentário