CONCEITO DE TRABALHO ESCRAVO PODE SOFRER GRAVE RETROCESSO
Para que o texto tenha aprovação final no Senado
onde passou a tramitar sob o codinome de PEC
57A/1999, foi se construindo o entendimento de que, em troca da PEC
do confisco da propriedade pela prática de trabalho escravo, haveria revisão da
conceituação dada pelo Código Penal brasileiro (no seu art.
149). Essa conceituação, por sinal, é moderna (foi aprovada em 2003)
e abrangente (considera como constitutivos do crime tanto a negação da
liberdade quanto a violação da dignidade) e está sendo parabenizada até hoje
pela OIT e pela ONU (na avaliação, por exemplo, da advogada
Gulnara Shahinian, Relatora Especial sobre Escravidão Contemporânea).
Houve variações quanto ao teor exato do
entendimento formulado no calor da discussão: se seria somente para aprovar a
regulamentação do confisco da propriedade (versão mínima) ou se seria mesmo
para rever a definição legal do trabalho escravo (versão extrema).
Retrocessos
D |
Na terça-feira, 3 de novembro, a Comissão da
Agricultura iria se posicionar sobre o Projeto de Lei 3842/2012, de autoria do deputado Moreira
Mendes (PSDB-RO), revisando para baixo a definição do trabalho
escravo (segundo a proposta, a expressão "condição de trabalho escravo,
trabalho forçado ou obrigatório" compreenderá todo trabalho ou serviço de
uma pessoa sob ameaça, coação ou violência, restringindo sua locomoção e para o
qual não tenha se oferecido espontaneamente). Na sequencia o texto iria para a
Comissão de Trabalho, Administração e Serviços Públicos (CTASP ) e em
seguida para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Em troca do adiamento desta discussão problemática,
foi aprovada a criação de uma Comissão Mista (11 deputados e 11 senadores)
para, no prazo de 30 dias, “apresentar projeto de lei definindo trabalho
escravo ou trabalho análogo a escravo e regulamentando da terra na qual for
verificada tal prática” (conforme Ato Conjunto 8/2013), igualmente problemática.
A falta de manifestação clara do Governo nessa tramitação
toda abriu brechas para o impasse atual. Como dizíamos um ano atrás, caso
prosperar a negociata atual, a votação da PEC do confisco da terra bem poderá
se tornar uma vitória de Pirro (segundo a história, o Rei Pirro, depois de
vencer uma batalha contra o Império Romano em que perdeu quase todo o seu
exército, declarou aos generais: "Mais uma vitória como esta, e estou
perdido").
Resta ver como concretamente a Comissão Mista dará
conta do seu paradoxal mandato: definir um conceito de trabalho escravo que
ficaria preso à forma como este se dava nos tempos da Colônia e do Império (a
do negro acorrentado), e regulamentar o perdimento da terra por prática do
trabalho escravo contemporâneo do século 21, ou seja por uma escravidão bem
real, diariamente flagrada no Brasil nas modalidades do trabalho forçado, da
servidão por dívida, da jornada exaustiva e das condições degradantes de
trabalho. Uma situação da qual cerca de quarenta e cinco mil trabalhadores já
foram resgatados desde 1995 quando, após décadas de um negacionismo oficial bem
parecido ao demonstrado pelos ruralistas de hoje, o estado brasileiro se
dignificou em reconhecer e começar a enfrentar as formas contemporâneas deste
crime recorrente na história do Brasil.
* Xavier Plassat é coordenador da Campanha Nacional
Contra Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra
Para que o texto tenha aprovação
final no Senado onde passou a tramitar sob o codinome de PEC 57A/1999, foi se
construindo o entendimento de que, em troca da PEC do confisco da propriedade
pela prática de trabalho escravo, haveria revisão da conceituação dada pelo
Código Penal brasileiro (no seu art. 149). Essa conceituação, por sinal, é
moderna (foi aprovada em 2003) e abrangente (considera como constitutivos do
crime tanto a negação da liberdade quanto a violação da dignidade) e está sendo
parabenizada até hoje pela OIT e pela ONU (na avaliação, por exemplo, da
advogada Gulnara Shahinian, Relatora Especial sobre Escravidão Contemporânea).
Houve variações quanto ao teor
exato do entendimento formulado no calor da discussão: se seria somente para
aprovar a regulamentação do confisco da propriedade (versão mínima) ou se seria
mesmo para rever a definição legal do trabalho escravo (versão extrema).
Retrocessos
Na terça-feira, 3 de novembro, a
Comissão da Agricultura iria se posicionar sobre o Projeto de Lei 3842/2012, de
autoria do deputado Moreira Mendes (PSDB-RO), revisando para baixo a definição
do trabalho escravo (segundo a proposta, a expressão "condição de trabalho
escravo, trabalho forçado ou obrigatório" compreenderá todo trabalho ou
serviço de uma pessoa sob ameaça, coação ou violência, restringindo sua
locomoção e para o qual não tenha se oferecido espontaneamente). Na sequencia o
texto iria para a Comissão de Trabalho, Administração e Serviços Públicos
(CTASP ) e em seguida para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Em troca do adiamento desta
discussão problemática, foi aprovada a criação de uma Comissão Mista (11
deputados e 11 senadores) para, no prazo de 30 dias, “apresentar projeto de lei
definindo trabalho escravo ou trabalho análogo a escravo e regulamentando da
terra na qual for verificada tal prática” (conforme Ato Conjunto 8/2013),
igualmente problemática.
A falta de manifestação clara do
Governo nessa tramitação toda abriu brechas para o impasse atual. Como dizíamos
um ano atrás, caso prosperar a negociata atual, a votação da PEC do confisco da
terra bem poderá se tornar uma vitória de Pirro (segundo a história, o Rei
Pirro, depois de vencer uma batalha contra o Império Romano em que perdeu quase
todo o seu exército, declarou aos generais: "Mais uma vitória como esta, e
estou perdido").
Resta ver como concretamente a
Comissão Mista dará conta do seu paradoxal mandato: definir um conceito de
trabalho escravo que ficaria preso à forma como este se dava nos tempos da
Colônia e do Império (a do negro acorrentado), e regulamentar o perdimento da
terra por prática do trabalho escravo contemporâneo do século 21, ou seja por
uma escravidão bem real, diariamente flagrada no Brasil nas modalidades do
trabalho forçado, da servidão por dívida, da jornada exaustiva e das condições
degradantes de trabalho. Uma situação da qual cerca de quarenta e cinco mil
trabalhadores já foram resgatados desde 1995 quando, após décadas de um
negacionismo oficial bem parecido ao demonstrado pelos ruralistas de hoje, o
estado brasileiro se dignificou em reconhecer e começar a enfrentar as formas
contemporâneas deste crime recorrente na história do Brasil.
Por Xavier Plassat, coordenador da
Campanha Nacional Contra Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra
Fonte: reporterbrasil
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