SERVIDORES DO INCRA CRITICAM LENTIDÃO E RETROCESSO NO PROCESSO DE RECONHECIMENTO DE ÁREAS QUILOMBOLAS
Menina em comunidade quilombola na Ilha do Marajó (PA). Foto: Daniel Santini
Lançado em 14 de agosto, o documento elaborado pela Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi) alerta que o bem-estar das comunidades quilombolas está sendo preterido pelas opções do instituto e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Os servidores do Incra também apontam que a situação se assemelha à dos trabalhadores da Fundação Nacional do Índio (Funai), que “têm enfrentado o desrespeito às suas atribuições legais para a promoção e defesa dos direitos dos povos indígenas e, sobretudo, no tocante aos processos de demarcação de Terras Indígenas”.
A nota denuncia que alguns processos ficam esquecidos na sede do Incra, em Brasília, e em suas 30 superintendências regionais, dependendo apenas de uma assinatura para ser publicada uma portaria de reconhecimento. Os servidores citam como exemplo os casos das comunidades quilombolas do Grotão, no Tocantins, e Tomaz Cardoso, em Goiás, que desde maio deste ano estão nessa situação – os processos estão na sede do Incra desde novembro de 2012. Ao todo, 36 dos 164 processos que tramitam no Incra estão paralisados ou com o andamento atrasado na sede da autarquia.
Novas normas
O Incra passou a ter a incumbência de regularizar as comunidades quilombolas em 2003, após decreto presidencial. A política de reconhecimento de áreas quilombolas, na prática, teve seu início em 2005. A meta de regularização instituída pela autarquia é de 15 mil hectares por ano. No ano passado, no entanto, apenas 3 mil hectares foram reconhecidos. Neste ano o ritmo continua lento: 1,3 mil hectares até agosto.
A Cnasi pontua que, de fato, a regularização é um processo
lento por definição. Necessariamente, o território tem de passar por uma série
de etapas legalmente estabelecidasaté receber o título: o estudo técnico
que identifica a área do território (RTID); sua publicação (edital de RTID) no
Diário Oficial; a contestação da sociedade a esse estudo (contestação e
recurso); o reconhecimento do território, com a publicação de portaria no
Diário Oficial; a desintrusão (decreto desapropriatório, avaliação de imóveis e
ajuizamento da ação na Justiça, emissão na posse e homologação da sentença,
além de reassentamento de famílias com perfil para a reforma agrária); a
demarcação; e, por fim, a titulação e o registro no cartório. Conforme
levantamentos da Comissão Pró-Índio de São Paulo, somente duas comunidades
receberam titulação do Governo Federal nos últimos dois anos, uma
em 2011 e e uma
em 2012.
“O que nos preocupa, enquanto servidores públicos
responsáveis diretos pela execução da política de regularização dessas áreas, é
a protelação ainda maior desse processo, que ocorre, aí sim, por uma opção
política do governo federal, que cria uma série de rotinas administrativas
injustificadas – algumas inclusive desrespeitam as próprias normas vigentes”,
aponta Ramon Chaves, diretor da Cnasi.
Os servidores apontam que a política de reconhecimento de
quilombolas apresentava um ritmo adequado, de crescimento lento, mas contínuo(veja tabela). Porém, uma mudança iniciada em 2008 começou a afetar o ritmo do
reconhecimento de áreas quilombolas. Nesse ano, as atividades do Incra passaram
a ser regidas pela Instrução
Normativa (IN) 49, formulada pela Advocacia Geral da União (AGU), que criou
etapas consideradas “desnecessárias e repetitivas”, segundo os servidores, para
a regularização de territórios. Isso ampliou ainda mais o prazo para a
conclusão do trabalho de reconhecimento. Mesmo com a IN 49, as metas foram
superadas em 2009, 2010 e 2011. Os servidores afirmam que isso só foi possível
porque nesses anos muitos processos ainda estavam sendo regidos pelas IN
anteriores. “De 2012 para cá, essa situação se agravou, com a paralisação
injustificada de processos que estão com os trabalhos em estágios iniciais ou
já avançados”, diz Chaves.
O servidor do Incra Roberto Almeida, que trabalha com a
questão quilombola desde 2006, afirma que há um clima de indignação entre os
que lidam com o tema no instituto. “Desde o ano passado as coisas praticamente
não andam. Realizamos denúncia para o Ministério Público, para o próprio Incra
e para a sociedade. Nosso compromisso com a sociedade não está sendo cumprido
por uma decisão política”, critica. Almeida também aponta que as condições
salariais estão em um patamar abaixo de outras autarquias. Com isso, muitos
servidores optam por outros concursos e deixam o Incra, causando seu
esvaziamento.
Mesa de diálogo
Procurados pela reportagem, o Incra e o Ministério do Desenvolvimento Agrário
não atenderam aos pedidos de entrevista para comentar a nota da Cnasi. O Incra,
no entanto, encaminhou por meio de sua assessoria uma nota
acerca do lançamento de uma mesa permanente de diálogo sobre a política de
regularização quilombola. O instituto afirma que pretende ouvir a sociedade
civil sobre o tema e que a iniciativa deve ser expandida às superintendências
nos estados. Participarão da mesa entidades da sociedade civil, como a
Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq) e o Conselho Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), além de representantes do poder
público, como o MDA, a Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR), a
Secretaria de Promoção de Políticas da Igualdade Racial (Seppir), a Secretaria
de Patrimônio da União (SPU) e a Fundação Cultural Palmares. “Com a mesa
teremos um espaço de diálogo permanente entre os entes responsáveis pelo
processo com a sociedade civil. Dessa forma, poderemos acompanhar, identificar
os problemas e encaminhar soluções, dando mais celeridade ao processo”, afirmou
o presidente do Incra Carlos Guedes.
A diretoria da Cnasi considera positiva a instauração da
mesa e afirma que a iniciativa já pode ter sido fruto da repercussão causada
pela nota da entidade. “Essa mesa tem a possibilidade de contribuir para
avanços. Quanto mais canais de diálogos com o público diretamente beneficiário
das políticas, melhor. Porém, sempre existe o receio de esse espaço se tornar
mais uma ‘mesa de enrolação’, como tantas outras coordenadas pelo governo
federal, onde se salienta seu verniz democrático. Por vezes, o governo ainda se
utiliza da participação do movimento social para legitimar políticas que lhe
são estranhas”, aponta Ramon Chaves.
Outro aspecto que Chaves considera preocupante é a
possibilidade de participação nas mesas estaduais de representantes de
segmentos contrários ao direito dos quilombolas. “Nossa preocupação é que o
governo acabe por atender a esses interesses, perpetuando a paralisação dos
processos ou, pior ainda, reduzindo a área dos territórios já identificados
como condição para o prosseguimento dos processos.”
Fonte: reporterbrasil.org.br
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