TAPAJÓS: COMUNIDADES ACUSAM GOVERNO DE DESCUMPRIR LEIS
Em carta, população que será afetada por série de usinas diz que vai
resistir e cobra ser consultada sobre os megaprojetos envolvendo usinas.
Após audiência pública em 30 de agosto, comunidades do rio
Tapajós divulgam carta em que afirmam que não concordam com a construção de
usinas hidrelétricas no rio. Segundo os movimentos sociais, "os argumentos
dos representantes do governo revelaram que as hidrelétricas seriam construídas
em sacrifício dos povos e comunidades tradicionais e em beneficio de uma
pequena elite de grandes empreiteiras e mineradoras."
As comunidades criticam o uso de força militar contra os
indígenas Munduruku, sob o argumento de proteção aos pesquisadores que adentram
os territórios indígenas contra a vontade dos Munduruku. As ações do governo
estariam criando, dentro dos territórios indígenas, um "clima de
terror".
Na Carta de Santarém, transcrevem trechos de falas onde a
população local manifesta indignação contra os projetos e dizem estar sendo
agredida. Dizem, também, que irão resistir e denunciam o descumprimento da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no que toca a
consulta das populações afetadas pelos projetos.
A chegada dessa massiva indústria extrativista, de mineração
e energia, tem provocado transformações profundas na região. As usinas são
vistas, pela população local, como uma ameaça a sua sobrevivência, e exigem
participarem do debate sobre o seu futuro e o da região.
O rio Tapajós é hoje um dos maiores palcos de conflitos
ecológicos no Brasil. O governo federal pretende instalar mais de uma dúzia de
usinas no Tapajós e afluentes, provocando um impacto cuja real dimensão sobre
as populações e a floresta é impossível de medir. As usinas iriam produzir
energia para o rico polo mineral do Tapajós e de Carajás. Há diversas
mineradoras de bauxita operando no delta do rio, como a Alcoa, em Juruti, e a
Mineração Rio do Norte, na margem esquerda do Amazonas. Há novos projetos para
mineração de ouro, bauxita e níquel na região, além de também produzir energia
para alimentar a Vale, em
Carajás.
Talvez um dos mais belos da Amazônia, o Tapajós tem grande
parte de suas margens cobertas de floresta. E a floresta amazônica
especialmente nessa região, é mais uma memória histórica e cultural do que
"selvagem": ali é um dos principais centros arqueológicos da
Amazônia, com muitas áreas de terra preta, espécies de árvores domesticadas e
uma das mais ricas diversidades culturais – povos indígenas, quilombolas,
ribeirinhos, beradeiros, pescadores, seringueiros, caboclos, migrantes de
diversas partes do país, pequenos garimpeiros independentes. Nos últimos anos,
também assiste a chegada massiva de madeireiros e sojeiros, chamados de
"gaúchos".
As comunidades pedem para ser ouvidas, e informam estar
protegidas pela Constituição e tratados internacionais. A questão, se for
tomada a mais recente e moderna jurisprudência no mundo, é realmente de direito
das comunidades. Conforme o
texto do economista e ecologista Joan Martinez Alier, na Índia as
comunidades do estado de Odisha ganharam na justiça o direito de serem
consultadas sobre a instalação de uma mineradora de bauxita na região. Todos
disseram que não queriam a mineradora. Nas consultas realizadas entre julho e
agosto, a votação foi unânime contra a chegada da Vedanta Ltd. e a exploração
da montanha Niyamgri.
No Tapajós, além da bauxita, mas junto dela, há os
megaprojetos que vão transformar para sempre a vida de quem vive lá – e muitos
não irão sobreviver. Negar a essa população o direito de se manifestar e de ser
protagonista sobre sua vida é uma medida além de autoritária. É uma medida que
decide, a partir do centro do poder, quem vive, e quem não precisa viver.
Abaixo, a carta das comunidades do Tapajós e organizações da
sociedade civil em defesa do rio.
CARTA DE SANTARÉM
Nós da sociedade civil organizada de Santarém e região,
povos e comunidades tradicionais, reunidos em Audiência Pública, realizada em
Santarém - PA, no dia 30 de agosto de 2013, convocada pela OAB - Ordem dos
Advogados do Brasil - Subseção Santarém e pelos Movimentos Sociais da região,
com o tema: HIDRELÉTRICAS NO TAPAJÓS: PERSPECTIVAS E IMPACTOS, por meio desta
carta, manifestaram que NÃO CONCORDAMOS COM A CONSTRUÇÃO DAS HIDRELÉTRICAS NO
RIO TAPAJÓS!
Na Audiência Pública representantes da
Eletrobrás/Eletronorte e de empresas contratadas para a realização do
empreendimento, tentaram convencer que as hidrelétricas na Bacia do Rio Tapajós
são uma necessidade para o Brasil. Cerca de 180 participantes, vindos de terras
indígenas, comunidades rurais e cidades da região, aprenderam detalhes da
perversidade do plano do Governo Federal para barramento do Rio Tapajós e seus
afluentes. Os argumentos dos representantes do governo revelaram que as
hidrelétricas seriam construídas em sacrifício dos povos e comunidades
tradicionais e em beneficio de uma pequena elite de grandes empreiteiras e
mineradoras.
Questionados sobre a invasão do governo nos territórios
Munduruku e nos territórios tradicionalmente ocupados, com aparato militar em
operação de guerra, os representantes do governo e seus técnicos contratados
responderam que é “apenas” uma questão de “discreta e democrática” proteção ao
trabalho de pesquisa para o EIA/RIMA esperado pelo IBAMA. No entanto, para os
representantes dos povos e comunidades tradicionais presentes isso é uma
agressão arbitrária e intimidatória. Em resposta, manifestaram-se
representações dos povos e comunidades Tradicionais:
“Vocês são um bando de covardes, pois entram em nossa casa.
Vocês têm medo de nós. Nós não somos ameaça. Vocês são ameaça, pois só estamos
defendendo o que é nosso.”(liderança Munduruku).
“Estamos representando mais de 20 mil pessoas da RESEX
Tapajós-Arapiuns. Viemos aqui dizer que não queremos as hidrelétricas, não
precisamos dessas hidrelétricas.” (liderança ribeirinha).
“Queremos o direito de viver, de criar nossos filhos, de
trabalhar. Não queremos morrer afogados. O recado está dado: Nós vamos resistir
até o fim. A luta continua!”(liderança indígena).
“Vamos lutar até a morte para não acontecer essas
hidrelétricas. Ninguém é bandido, nós ficamos espantados com tanta policia.”
(liderança beiradeira).
As falas aqui transcritas manifestam a indignação da
população do Tapajós, agredida, porém resistente frente à ofensiva que está
acontecendo de maneira violenta e autoritária.
Denunciamos o claro descumprimento da Constituição Federal e
da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o
Brasil é signatário. O Brasil assumiu o compromisso de realizar consultas
prévias em qualquer projeto ou decisão de governo que venha a afetar,
modificar, de forma permanente e irreversível, a vida de povos indígenas,
tribais e tradicionais. Trata-se, portanto, de um direito constituído que tem
sido violado pelo governo por meio de decisões autoritárias de membros do
judiciário.
Em vergonhosa e covarde afronta à dignidade dos indígenas e
à seriedade do Estado brasileiro, os mais de 140 índios presentes em uma
reunião em Brasília, em junho de 2013, ouviram do ministro-chefe da Secretaria
Geral da Presidência da República que: “mesmo após consulta pública, os índios
não terão poder de veto à construção das hidrelétricas”.
A autoritária e equivocada política energética do governo
brasileiro oprime os povos indígenas e as organizações da sociedade que estão
cientes de seus direitos e das obrigações do Estado. As ações do governo
brasileiro tem sido típicas de regimes totalitários e ditatoriais que,
recentemente, levaram à morte dois indígenas (Munduruku e Terena) e instalaram
um clima de terror em seus territórios.
Ao mesmo tempo em que denunciamos as arbitrariedades do
Governo Federal, que impõe seu projeto de crescimento econômico a qualquer
custo e sem respeito aos direitos humanos dos povos do Tapajós, manifestamos
completa rejeição à implantação de hidrelétricas, as quais trarão impactos
irreversíveis aos povos e à natureza na região do Tapajós.
Requeremos do Supremo Tribunal Federal que exija da
presidência da república o respeito aos direitos humanos como manda a
Constituição Federal, como a consulta prévia antes de
iniciar obras de tão grandes impactos como as hidroelétricas na bacia do
Tapajós que ameaçam de forma irreversível os ciclos naturais das áreas de maior
biodiversidade do planeta. Solicitamos também aos órgãos de direitos humanos da
Organização dos Estados Americanos - OEA e da Organização das Nações Unidas -
ONU que intervenham junto ao Governo Federal brasileiro por desrespeitar
tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Santarém, Pará, 30 de agosto de 2013.
1. Associação Comunitária de Montanha e Mangabal
2. FAMCOS
3. International Rivers
4- Movimento Tapajós Vivo - MTV
5- Centro de Estudo, Pesquisa e Formação dos Trabalhadores
do Baixo Amazonas – CEFTBAM
6- Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP/Santarém
7- Projeto Saúde e Alegria - PSA
8- Colônia de Pescadores Z- 20
9- Comunidade Indígena de Pinhel – Rio Tapajós IAPAPI
10- Movimento de Trabalhadores por Luta e Moradia – MTLM
11- Associação indígena Pahyhyp - ITAITUBA
12- GCI/CITA
13- Grupo de Defesa da Amazônia-GDA
14- Movimento Salve o Juá
15- Associação Maira – Resex Tapajós
16- Ecotore
17- FAOR
18- OAB sub seção Santarém
19- CEAPAC
20- Movimento Roda de Curimbó
21- Associação da Comunidade de Nuquini – Tapajós
22- Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de
Santarém
23-ASBAMA
24- SINSOP
25- Associação Irmã Dulce
26- UES
Outro lado. Em nota enviada à redação, a Eletrobras,
coordenadora do Grupo de Estudos Tapajós, informou que:
1 - Os estudos ambientais das usinas de São Luiz do Tapajós
e Jatobá, sob responsabilidade do Grupo, não estão sendo realizados em terras
indígenas demarcadas; portanto, não há presença de pesquisador em área indígena
oficial;
2- Em nenhum momento afirmamos que as hidrelétricas seriam
construídas em sacrifício dos povos e comunidades tradicionais e em beneficio
de uma pequena elite de grandes empreiteiras e mineradoras, conforme listado
pela carta e destacado pelo blogueiro na abertura de seu texto. Pelo contrário,
afirmamos na referida audiência pública que as usinas serão construídas para
benefício geral, sem sacrifício dos indígenas.
Blog do Felipe Milanez
Carta Capital
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