A LUTA DOS ATINGIDOS POR MINERAÇÃO
No Brasil, a atividade de mineração desenvolvida por 52 empresa de grande, médio e pequeno porte já afeta 1 milhão de pessoas. |
No Brasil, a
atividade de mineração desenvolvida por 52 empresa de grande, médio e
pequeno porte já afeta 1 milhão de pessoas. Desse contingente, parcela
considerável estaria no Pará em zonas urbanas e, sobretudo, rurais. Isso
porque nos últimos 30 anos, dos 32 eventos minerários ocorridos na
região amazônica, 31 foram no estado paraense e apenas um no Amapá.
Tal
situação já transforma a vida de milhares de agricultores. Segundo o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no sul e sudeste
paraense todos os assentamentos organizados pelo movimento sofrem
impactos da mineração.
Ademais, a Serra Pelada, que inaugurou a
mineração no sul do Pará voltou à tona, não mais nas mãos dos
garimpeiros, como ocorrido no final dos anos de 1970, mas agora
controlado pela canadense Colossus, que utiliza de tecnologia de ponta
para abrir uma nova mina de exploração de ouro nas proximidades.
Dessa
forma, o Pará estaria, assim como Minas Gerais e outras regiões de
intensa atividade mineraria, no centro do debate da mineração em nível
nacional, que outrora secundária, ganhou notoriedade com a disputa
política sobre o novo marco regulatório do setor.
Junto a essas
questões, vários grupos antimineração têm surgido no Brasil nos últimos
anos, em especial o Movimento Nacional pela Soberania Popular Frente a
Mineração (MAM).
Para conversar sobre esse contexto nacional e regional da mineração, a reportagem do Brasil de Fato entrevistou
Charles Trocate, membro da coordenação nacional do MAM. Na entrevista
abaixo, Trocate faz um breve relato da formação da organização dos
trabalhadores das minas no Pará fomentado pela dinâmica da Serra Pelada,
além do movimento dos atingidos pelo Programa Grande Carajás, que
abrange também o Maranhão.
Por fim, define a criação do MAM como
um momento histórico na luta contra a mineração atrelada a um elemento
diferenciado. “É o primeiro movimento na história do Brasil que não
nasce no Sul e no Centro-Sul do país, mas surge do Norte e Nordeste para
se tornar nacional”, salienta.
Brasil de Fato – O Pará hoje está no cerne da questão mineraria nacional e amazônica?
Charles Trocate – Sim.
Nos últimos 30 anos, dos 32 eventos de mineração ocorridos na Amazônia,
31 se realizaram no Pará e apenas um no Amapá, na chamada Serra do
Navio, onde uma empresa estadunidense levou todo minério para Detroit,
nos Estados Unidos, deixando apenas o buraco e uma cidade fantasma.
Hoje,
com o Programa Grande Carajás, controlado pela Vale e o resurgimento da
exploração de ouro na Serra Pelada por uma empresa canadense, o sul e
sudeste paraense abarca grande parte desses projetos. Como é o histórico
dessa região?
Em 1979, a exploração na Serra Pelada, em
Curionópolis (PA), marca a inauguração da mineração no sul e sudeste
paraense. Essa cava de garimpo manual, que foi a maior do mundo teve 80
mil garimpeiros até o seu fechamento em 1986. Num protesto contra a
impossibilidade de garimpar na região, em 29 de dezembro de 1989, os
garimpeiros fecham a ponte sobre o Rio Tocantins em Marabá. Nesse
episódio, o Exército numa ação conjunta com a Polícia Militar cerca os
manifestantes, que encurralados começam a pular da ponte, de uma altura
de mais de dois metros. Nesse período do ano, o rio está mais seco, e
até hoje não se sabe ao certo quantos homens morreram. Ou seja, esse é o
primeiro massacre em função da mineração no Pará. Também, paralelo a
esse momento, em 1986, começa o Programa Grande Carajás e daí começa as
primeiras articulações dos camponeses e dos sindicatos da região, que
vai dar fomento a criação de uma organização não governamental chamada
Fórum Carajás, que atua hoje nesse eixo Pará e Maranhão, ao longo da
Estrada de Ferro de Carajás.
Esse contingente de homens,
impossibilitados de garimpar pela demarcação territorial da Vale no
Pará, passa a se destinar a qual função?
É essa massa de
homens que se transformam nos primeiros sem-terras do sul e sudeste do
Pará. Uma população predominantemente masculina, porque na Serra Pelada
só podia entrar homens. Mulher e cachaça eram proibidas e ficavam numa
cidadela vizinha. Durante a semana os homens trabalhavam no garimpo e no
fi m de semana iam para essa localidade tomar cachaça e usufruir da
prostituição. Por isso que após esse período do fechamento da Serra
Pelada tivemos praticamente um rebaixamento na luta contra a mineração e
houve um fortalecimento da luta pela terra.
E o surgimento do Movimento dos Trabalhadores da Mineração (MTM) em 2008, na Serra Pelada?
Esse
movimento só conseguiu se configurar depois de quase 30 anos do começo
das atividades da Serra Pelada, em 1979. Precisou de um período
histórico e hoje faz oposição a Vale e ao Ministério de Minas e Energia
(MME), dirigido por Edson Lobão, cujo presidente da maior cooperativa de
garimpeiros da Serra Pelada é seu afilhado político. Porém, é
necessário acrescentar que em 2009 explode a luta na comunidade de
Juriti Velho, no município de Juriti, contra a exploração de bauxita
pela Alcoa. O movimento Juruti em Ação criou uma jurisprudência que tem
dado um nó na mineradora. É a primeira comunidade do Brasil que recebe
num fundo social gerido pelos próprios moradores da comunidade 1,5% do
lucro da empresa. Isso criou uma situação que ainda estamos tentando
entender o seu significado na correlação de forças dos povos contra os
projetos de mineração, porque constitui elementos que nos ajuda, mas
também trouxeram um punhado de empecilhos. Hoje, por exemplo, o governo
do Estado do Pará quer transformar o fundo social de Juruti num fundo
público para o estado, querendo se apropriar desse recurso, que já
implica outra disputa.
Esses movimentos contra a
mineração passaram a existir conforme as contradições latentes de
exploração das mineradoras se tornaram mais visíveis?
No
Brasil, a atividade de mineração desenvolvida por 52 empresas de
grande, médio e pequeno porte já afeta um milhão de pessoas. Todas as
áreas de assentamento do MST no sul e sudeste do Pará estão afetadas
pelas empresas de mineração. Em nível nacional, dos 24 estados em que
existe a organização do MST, 14 deles existem assentamentos impactados
pela mineração. Dessa forma, em 2012, no município de Parauapebas (PA),
fizemos o primeiro seminário nacional com lideranças de assentamentos
afetados pelas mineradoras no Brasil. Nessa ocasião, fizemos um debate
sobre a necessidade de se criar um movimento nacional de atingidos pela
mineração. Porém, vale lembrar que essa conjuntura que estamos vivendo
hoje, da formação de vários movimentos antimineração no Pará é
acumulação da jornada de lutas do MST em 2007, quando 6 mil camponeses
interditaram por 40 dias a Estrada de Ferro de Carajás, para denunciar a
espoliação de nossos recursos naturais.
Daí surge o MAM?
Em
2013, nós fizemos em Brasília (DF) a segunda reunião nacional dos
atingidos pela mineração, onde compareceram representantes de 16 estados
brasileiros de diversas organizações sociais. E desde 2012 já
analisávamos a perspectiva de construir um movimento popular, com uma
plataforma política que negasse a atividade de mineração onde fosse
possível e, onde não conseguíssemos barrar tais projetos, nos mobilizar
para que as mineradoras paguem pelos danos causados. Assim, decidimos
criar esse movimento nacional, popular, classista, antiimperialista,
antineoliberal e internacionalista com um elemento diferenciado, pois é o
primeiro movimento na história do Brasil que não nasce no sul e no
centro sul do país, mas surge do norte e nordeste para se tornar
nacional.
Foto: Marcelo Cruz
Marcio Zonta
Do Pará
Fonte: Brasil de Fato
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