Os descaminhos do dinheiro: a compra das eleições
Este tipo de corrupção
leva a que se deformem radicalmente as prioridades do país, que se construam
elefantes brancos. A deformação das prioridades mediante desvio dos recursos
públicos daquilo que é útil em termos de qualidade de vida para o que é mais interessante
em termos de contratos empresariais, gera um círculo vicioso, pois financia a
sua reprodução.
Uma dimensão importante
deste círculo vicioso, e que resulta diretamente do processo, é o
sobre-faturamento. Quanto mais se eleva o custo financeiro das campanhas,
conforme vimos acima com os exemplos americano e brasileiro, mais a pressão
empresarial sobre os políticos se concentra em grandes empresas. Quando são
poucas, e poderosas, e com muitos laços políticos, a tendência é a distribuição
organizada dos contratos, o que por sua vez reduz a concorrência pública a um
simulacro, e permite elevar radicalmente o custo dos grandes contratos. Os
lucros assim adquiridos permitirão financiar a campanha seguinte.
Se juntarmos o
crescimento do custo das campanhas, os custos do sobre-faturamento das obras, e
sobre tudo o custo da deformação das grandes opções de uso dos recursos
públicos, estamos falando em muitas dezenas de bilhões de reais. Pior: corrói o
processo democrático, ao gerar uma perda de confiança popular nos processos
democráticos em geral.
Não que não devam ser
veiculados os interesses de diversos agentes econômicos. Mas para a isto
existem as associações de classe e diversas formas de articulação. A FIESP, por
exemplo, articula os interesses da classe industrial do Estado de São Paulo, e
é poderosa. É a forma correta de exercer a sua função, de canalizar interesses
privados. O voto deve representar cidadãos. Quando se deforma o processo
eleitoral através de grandes somas de dinheiro, é o processo democrático que é
deformado.
A moral da história é
simples. Comprar votos é ilegal. Vincular o candidato com dinheiro não é
ilegal. Já comprar o voto do candidato eleito é de novo ilegal. A conclusão é
óbvia: vincula-se os interesses do candidato à empresa, o que é legal, e tem-se
por atacado quatro anos de votação do candidato já eleito, sem precisar
seduzi-lo a cada mês [7]. O absurdo não é inevitável. Na França, a totalidade
dos gastos pelo conjunto dos 10 candidatos à presidência em 2012 foi de 74,2
milhões de euros. [8]
A grande corrupção gera
a sua própria legalidade. Já escrevia Rousseau, no seu Contrato Social, em
1762, texto que hoje cumpre 250 anos: “O mais forte nunca é suficientemente
forte para ser sempre o dono, se não transformar a sua força em direito e a
obediência em dever” [9]. Em 1997, transformou-se o poder financeiro em
direito. O direito de influenciar as leis, às quais seremos todos submetidos.
Ético mesmo, é reformular o sistema, e acompanhar os países que evoluíram para
regras do jogo mais inteligentes, e limitaram drasticamente o financiamento
corporativo das campanhas.
Fonte: Carta Maior
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