Monocultura do eucalipto ataca trabalhadores rurais
"As ameaças são constantes, com arma, tiro, gado roubado,
cerca cortada, tudo que se possa imaginar", denuncia Juenildo Oliveira
Farias, o Zuza, coordenador estadual do MLT (Movimento Luta pela Terra) e do
acampamento Baixa Verde, sul da Bahia. Os ocupantes da área estão em conflito
com integrantes da Fetag-BA (Federação dos Trabalhadores na Agricultura da
Bahia), acusados pelos primeiros de estarem associados à expansão da
monocultura de eucalipto na região.
Relatos indicam que as ameaças se iniciaram em outubro de 2010,
após a Veracel Celulose S.A. perder na Justiça, em decisão de segunda
instância, a posse da terra em favor das famílias do MLT. "A partir daí a
Veracel tem recuado, e a Fetag atacado cada vez mais", acusa Zuza.
As 85 famílias do acampamento Baixa Verde, localizado na fazenda
São Caetano, município de Eunápolis, vivem assustadas. Boletins de Ocorrência
relatam ameaças verbais e físicas, roubo de animais e depredação de cercas,
entre outros abusos. Em agosto de 2012, por exemplo, trabalhadores do
acampamento foram impedidos de exercer seu serviço por um grupo de 12 pessoas
portadoras de foices e facões, que ameaçavam atear fogo no trator se os moradores
do Baixa Verde tentassem continuar seu trabalho.
O comandante do grupo foi identificado como o diretor da Fetag
Ailton Queiroz Lisboa. No dia seguinte ao desse relato, outros dois
trabalhadores afirmaram terem sido ameaçados. "Se tentassem arar a terra
nesse momento ou no futuro, haveria derramamento de sangue", diz o Boletim
de Ocorrência. Ailton nega o fato, "isso é uma mentira, nunca dei um
tiro", declarou.
Zuza
conta ter sofrido um atentado em dezembro de 2011. Uma moto veio em direção ao
veículo que dirigia, obrigando-o a desviar e, consequentemente, capotar o
carro. Desde então, ele e sua família sofrem ameaças de morte. Todos os
acontecimentos são notificados às autoridades. Cartas e cópias de ocorrências
foram entregues às Polícias Civil e Militar da Bahia, Ministério Público
Estadual, Secretaria de Segurança Pública, Ministério da Justiça, Ministério do
Desenvolvimento Agrário e Polícia Federal. Ainda assim, nenhuma providência foi
tomada pelos órgãos oficiais.
Em abril de 2011, o MLT emitiu um ofício à Fetag exigindo a
intervenção urgente de sua diretoria no caso, a retirada da bandeira da
entidade do acampamento e a produção de uma nota pública que esclareça os
acontecimentos e sua relação com a Veracel. "A ação desse grupo tem como
objetivo prejudicar o andamento do processo de legalização das terras devolutas
do Estado e o assentamento das famílias que tem real perfil de trabalhadores
rurais", diz o texto produzido pelo MLT.
Briga pela terra
Ainda em 2010 a Veracel entrou na Justiça exigindo a revisão da
decisão que garantiu a posse da terra aos moradores do Baixa Verde. O processo
se encontra até hoje no Ministério Público da Bahia, impedindo a assinatura do
juiz e impossibilitando a retomada da terra pelo Estado e sua consequente
demarcação. As 85 famílias ainda vivem em tendas de plástico preto, sem direito
a crédito público para construírem suas casas ou para a produção.
Atualmente, a Veracel, por meio do governo do estado da Bahia,
propõe um novo acordo com o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária), segundo o qual a empresa venderia cerca de 10 mil hectares de terra
para o órgão, que os destinaria aos sem-terra da região. As terras do Baixa
Verde estariam contempladas no acordo (ainda verbal e sem nenhuma garantia),
logo, o processo que garante sua posse aos moradores do acampamento seria
invalidado. A área, portanto, não mais seria considerada terra devoluta
indevidamente apropriada para o plantio de eucalipto.
Segundo o MLT, o acordo, se concretizado, serviria para melhorar
a imagem da empresa – que contabiliza pelo menos dois mil processos no
Ministério Público da Bahia, segundo levantamento do CEPEDES (Centro de Estudos
e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia) – diante da opinião
pública, movimentos de luta pela terra e, principalmente, órgãos
certificadores. A Veracel depende do selo oficial para a exportação de celulose
e para embasar a exportação da propaganda "socialmente justa". Quase
a totalidade – 98% – da produção da empresa é destinada ao exterior,
principalmente para a Europa, Estados Unidos e China.
"Nós temos a preocupação de que a Fetag, apesar de ser um
movimento sindical, esteja sendo financiada pelo eucalipto", diz Zuza.
Segundo ele, a confirmação do envolvimento da Veracel com a Fetag veio de um
relato do diretor desta, Ailton Queiroz Lisboa, que declarou em audiência com a
ouvidoria agrária que a empresa de celulose ofereceu a área do acampamento
mesmo tendo perdido a manutenção de sua posse. "Existe um jogo, uma
tentativa de boicote por parte da empresa, inclusive financiando um movimento
sindical para descaracterizar a nossa luta", completa o dirigente do MTL.
Ailton nega a relação da Fetag com a Veracel. Segundo ele, a
Fetag tem um histórico de luta pela terra e atualmente, por meio do governo do
Estado, negocia a posse de novos lotes para as famílias cadastradas, "o
nosso diálogo é com o governo, não com a Veracel", disse. "Se Veracel
quiser doar terras, nós queremos", completou.
Sobre as acusações acerca dos conflitos entre os participantes
da Fetag e os moradores do Baixa Verde declarou que Zuza "quer criar um
fato para ficar com área sozinho". Ailton disse que Zuza possui um ponto
de táxi em Anápolis, cujo alvará foi cedido em troca de um lote de terra, e que
os donos – três fazendeiros-, além de pagarem aluguel sobre o pasto, são
responsáveis pela quebra de cercas e a consequente perda de animais
pertencentes ás famílias da Fetag. "Zuza quer colocar o pessoal da Fetag
como bandidos. Ele é problemático, maluco e autoritário", completou.
Expansão do eucalipto
No ano 2000, a Aracruz, principal exportadora de celulose do
Brasil, comprou a parcela da Odebrecht na Veracruz, e criou a Veracel. A
Aracruz, que passou a se chamar Fibria, mantém desde 2005 o projeto Veracel,
joint-venture com o grupo Stora-Enzo. A empresa tem 172.982 hectares de
eucalipto plantados, distribuídos em 11 municípios do sul da Bahia. A fábrica,
com sede em Eunápolis, município onde está o acampamento Baixa Verde, produz
1,2 milhão de toneladas de celulose branqueada por ano, número que pode ser
aumentado para 2,7 milhões de toneladas, o que significa uma expansão de 107
mil hectares de plantação em mais seis municípios.
Em
setembro de 2010, a Fibria Celulose doou R$ 40 mil para a campanha do então
candidato a deputado federal Edson Sampaio Pimenta, na época tesoureiro da
Fetag. Para o diretor do MLT, essa é uma prova do envolvimento do movimento
sindical com as empresas. "Foram R$ 40 mil que ele [Edson] recebeu da
monocultura de eucalipto. E foi eleito deputado. Fora isso não temos mais nada
[de provas], a não ser a palavra do dirigente da Fetag que recebeu a doação das
terras do acampamento", disse.
Segundo o promotor do Ministério Público Estadual de Eunápolis,
João Alves da Silva Neto, a Veracel realiza "atividades típicas de crime
organizado". Os processos contabilizam violações trabalhistas e licenças
ambientais irregulares, além de denúncias de coerção de trabalhadores para que
estes assinassem contratos de arrendamento, permitindo que a empresa plantasse
eucalipto em suas propriedades. "Os jornais locais não publicam nada,
porque todo mundo é financiado pela própria Veracel. E nós aqui à mercê",
desabafou Zuza.
A Veracel não tem licença regular para ocupar toda a área
plantada pelo eucalipto. Em 2012, no entanto, recebeu uma licença prévia do
estado da Bahia para realizar suas metas de expansão iniciadas em 2007,
contrariando a decisão do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos
(Inema). Em 2011, o mesmo Inema produziu um relatório rejeitando a ampliação da
empresa e exigindo maiores dados acerca de seus planos.
A licença prévia foi concedida sem que as informações
solicitadas pelo órgão fossem atendidas. A expansão da monocultura do eucalipto
é apoiada inclusive pelo governador do estado, Jacques Wagner (PT). Em 2008,
ele viajou para a Suécia com o objetivo de acalmar os acionistas da
Stora-Enzo/Veracel diante das pressões dos movimentos sociais e outras
instituições que barravam os projetos da joint-venture. Para Débora Lerrer e
John Wilkinson, em artigo sobre a Stora Enzo, "o governador Jacques Wagner
tem seguido a estratégia do governo federal, de mudar a equipe para garantir
que as licenças ambientais sejam concedidas mais rapidamente, com vistas a
atingir as metas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)".
Especialistas alertam que o impacto da monocultura de eucalipto
estende-se para além das implicações ambientais, como a contaminação do solo,
das águas, diminuição da fertilidade da terra e seus minerais, entre outros. A
retirada da população de sua terra acarreta também na perda de seus meios de
subsistência.
De acordo com uma pesquisa realizada pela própria Veracel e
divulgada pelo Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM), em Santa Cruz
Cabrália, no sul da Bahia, por exemplo, apenas 56 dos 193 trabalhadores
permaneceram na propriedade adquirida pela empresa, e o número de moradores
caiu de 240 para 14 em 2012. Em Porto Seguro, os empregados em terras da
Veracel diminuíram de 88 para dois, e os moradores de 138 para apenas nove. O
êxodo rural e o consequente aumento da população urbana geram desemprego,
pobreza e criminalidade. "Eles só veem o interesse do capital, o interesse
da empresa e da monocultura de celulose", conclui Zuza.
Isabel Harari é estudante de jornalismo.
Fonte: Caros Amigos
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