Associações repudiam prêmio da Capes em parceria com a Vale
Representantes
de associações acadêmicas enviaram uma carta para o presidente da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em repúdio à criação do
“Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade”. O
prêmio é direcionado às teses e dissertações sobre temas ambientais e foi
criado a partir de uma parceria entre a Capes, agência do Governo Federal, e a
mineradora, considerada a pior empresa do mundo no âmbito dos direitos humanos
e do meio ambiente.
“Afirmamos
nossa preocupação com o fato de que a produção científica na área temática em
questão venha a perder em substância e qualidade com a transformação de um de
seus próprios objetos de estudo”, diz trecho da carta, que é assinada pela
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e
Regional (ANPUR) e pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
Com
cerca de 25 mil votos, a Vale foi eleita a pior empresa do mundo pelo
"Public Eye People´s” em 2012. Condições desumanas de trabalho, pilhagem
do patrimônio público e exploração da natureza estão entre as denúncias que
elegeram a mineradora. A premiação foi organizada pelas ONGs Greenpeace e
Declaração de Berna. A empresa também
responde a 111 processos judiciais e 151 administrativos, além de ser
considerada campeã de multa pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Confira
a íntegra da carta:
“Nós,
representantes de associações acadêmicas, professores e pesquisadores
abaixo-assinados, viemos a público declarar que consideramos inadequada a
instituição do chamado “Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade”,
visando a premiar Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado associadas a
temas ambientais e socioambientais. É de conhecimento público que as práticas
da Vale S.A. são, com grande frequência, avaliadas como impróprias do ponto de
vista social e ambiental, em muitos casos com implicações legais, conforme
registrado por inúmeros trabalhos de pesquisa nas áreas de Sociologia,
Antropologia e Ciências Sociais Aplicadas expressos em apresentações em
Congressos, Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado referendadas pela
comunidade científica brasileira nos últimos anos. Com base nesta produção
científica, listamos abaixo alguns exemplos de danos ambientais e sociais
associados à atuação da empresa em questão e, em anexo, apresentamos uma
amostra ilustrativa de citações de resultados de pesquisas recentes:
Despejo
ilegal de minério diretamente nas águas da Baía de Sepetiba (Zborowski, 2008 e
Stotz; Peres, 2009);
Dragagem
de 20 milhões m3 de lama contaminada por cádmio, zinco e arsênio na Baía de
Sepetiba (FIOCRUZ, 2011);
Emissão
de material particulado no ar contendo elementos químicos causadores de
problemas respiratórios graves (FIOCRUZ, 2011);
Rompimento
de mineroduto e contaminação do solo e de corpos hídricos no município de
Paragominas, PA. (Marin, 2010);
Destruição
de terras agricultáveis e desmatamento de castanheiras para a construção de
minerodutos, linhas férreas e linhas de transmissão de energia em territórios
ocupados por populações tradicionais (Marin, 2010; Pereira, 2008);
Não-cumprimento
do acordo com comunidades quilombolas do Jambuaçu, Moju, PA, pelo qual a Vale
deveria recuperar 33 km de estrada que cortam as terras quilombolas, a reforma
de duas pontes e indenizações pela passagem do mineroduto de bauxita e da linha
de transmissão (Pereira, 2008, apud Trindade, 2011);
Conflitos
com comunidades indígenas Xikrin (na região de Carajás, PA) e com os índios
Krenak, na região de Resplendor, MG. (Carrara, 2009);
Deslocamento
compulsório de populações em função da exploração mineral e da construção de
barragens e usinas para fins de auto-geração de energia (Pinto, 2005; Lages,
2008; Wanderley, 2009, Campos, 2010);
Transformação
da imagem da empresa frente à opinião pública, sem que suas ações sejam menos
degradantes no que respeita ao meio socioambiental (Cabral e Paraíso, ANPOCS,
2005);
Projeto
de mineração da Serra da Gandarela, considerada Área de importância biológica
especial, com endemismo de espécies e alta biodiversidade. (Marent; Lamounier;
Gontijo, 2011);
Marcação
de casas que estariam em área de remoção para a implantação de uma siderúrgica
no Maranhão, sem que as famílias atingidas fossem informadas sobre para onde,
por quem e em que condições seriam removidas (Santos Jr. et alii 2009);
Construção
de estradas e infra-estruturas que têm provocado assoreamento e morte de
igarapés no território quilombola do Jambuaçu, Moju, PA. (Trindade, 2011).
Consideramos,
em conseqüência, que o estabelecimento de um vínculo desta ordem entre a Capes
e a Vale S.A. tende a enfraquecer a autonomia científica no estudo das relações
entre meio ambiente e sociedade no Brasil, na medida em que as práticas da
referida empresa são, elas próprias, objeto de pesquisa e que a situação assim
criada pode comprometer a análise dos casos concretos em que esta firma figure
como agente social em conflito com atores públicos (prefeituras, IBAMA e
Ministério Público, entre outros), assim como com populações afetadas por
empreendimentos, com organizações sociais defensoras do meio ambiente, direitos
humanos e direitos sociais. Isto posto, afirmamos nossa preocupação com o fato
de que a produção científica na área temática em questão venha a perder em
substância e qualidade com a transformação de um de seus próprios objetos de
estudo em co-patrocinador de pesquisas – mesmo que de modo indireto, como é o
caso da concessão de Prêmios.
Entendemos,
a este propósito, que empresas cuja atuação seja, com frequência, questionada
como danosa a populações e ao meio ambiente, quando eventualmente dispostas a
destinar recursos ao financiamento de pesquisas acadêmicas, devem submeter-se a
condições definidas na estrita perspectiva do caráter público da produção científica.
Propomos, por conseguinte, que a aplicação de recursos privados a premiações de
pesquisas científicas passe por uma instância pública que regule a distribuição
dos recursos e que critérios e dispositivos normativos sejam instituídos para
lidar com casos como esses, excluindo-se, em particular, que representantes de
empresas venham a compor júris na avaliação de trabalhos científicos – como é o
caso neste prêmio – e que recursos devidos sob a forma de multa, condicionantes
ou compensação sejam apresentados pelas empresas como patrocínio ou filantropia
estratégica.
Atenciosamente,
Profa.
Ester Limonad Presidente da ANPUR”
Fonte Brasil de Fato
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