APENAS 8% DOS CASOS DE ASSASSINATOS EM CONFLITOS AGRÁRIOS SÃO JULGADOS NO BRASIL
Pelo menos cinco
crimes cometidos contra agricultores sem terra ou pessoas ligadas à defesa de
direitos dos trabalhadores do campo estão com julgamento previsto para o
primeiro semestre deste ano. Entre eles está o assassinato de Sebastião
Camargo, camponês morto há quase 15 anos durante um despejo ilegal realizado
por uma milícia organizada e financiada pela União Democrática Ruralista (UDR).
Hoje, segunda-feira (4), mais um acusado de participação no crime vai a júri
popular: Augusto Barbosa da Costa, integrante de milícia organizada pela UDR
que participou do despejo em 1998.
Apesar de cinco casos estarem próximos de
chegar a julgamento e possível condenação dos culpados, a maior parte dos
crimes ocorridos neste contexto estão impunes. Pesquisa feita pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT) em 2011 aponta que apenas 8% dos casos de assassinatos
ocorridos desde 1985 em conflitos agrários foram julgados pelo menos em
primeira instância até abril daquele ano. No Paraná, dos 19 assassinatos
ocorridos entre 1994 e 2009, apenas quatro foram julgados.
Para Sérgio Sauer, relator do Direito Humano
à Terra, ao Território e à Alimentação da Plataforma Dhesca Brasil, o
julgamento e a responsabilização daqueles que violam direitos, principalmente
os que dão ordens para os crimes, é fundamental: “O julgamento de um
responsável, de um mandante, é a expressão literal da Justiça. Isto precisa ser
feito no Brasil, inclusive como um passo para uma sociedade justa, que garante
direitos”, garante Sauer, que também é professor da Universidade de Brasília
(UnB).
Local do julgamento
Entre os casos previstos para serem julgados
está a tragédia conhecida como “Chacina de Unaí”, que motivou a celebração do
dia 28 de janeiro como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Nesta
data, em 2004, quatro servidores da Delegacia Regional do Ministério do
Trabalho foram assassinados quando apuravam uma denúncia de trabalho escravo em
fazendas do agronegócio, na zona rural de Unaí, noroeste de Minas Gerais.
Apesar de ter sido atribuída à 9ª Vara da
Justiça Federal em Belo Horizonte a competência para julgamento do caso, na
semana passada a juíza responsável pelo julgamento da Chacina de Unaí, Raquel
Vasconcelos Alves de Lima, decidiu encaminhar o processo para a Vara Federal da
cidade onde o crime ocorreu.
Além da decisão provocar mais atrasos no
processo, a isenção do júri pode ser comprometida devido ao domínio político e
econômico das elites locais. O ex-prefeito de Unaí, Antério Mânica, que assumiu
o cargo público meses após a Chacina e que foi reeleito em 2008, é um dos
acusados como mandante dos assassinatos.
A mesma situação pode ocorrer no caso do
Massacre de Felisburgo (MG), que depois de nove anos teve júri marcado para
janeiro de 2013, mas adiado em virtude de “pendências jurídicas”. As mais de 80
entidades organizadas em torno do Comitê de Justiça para Felisburgo pressionam
as autoridades para que o julgamento aconteça até abril deste ano e que seja
realizado, de fato, em Belo Horizonte, já que na comarca de Jequitinhonha o
julgamento poderia sofrer influência do poderio econômico e político do réu.
Mandantes não são condenados
O Massacre de Felisburgo aconteceu em 20 de
novembro de 2004, quando cinco sem terra foram assassinados e 20 ficaram
feridos após um ataque de 17 pistoleiros contra um acampamento localizado em
Felisburgo, na região do Vale do Jequitinhonha (MG). O latifundiário Adriano
Chafik, proprietário da fazenda Nova Alegria, ocupada havia dois anos por 230
famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), confessou a
participação na invasão do acampamento. Apesar das evidências da participação
do proprietário, passados nove anos, Chafik continua impune.
No caso do crime contra os extrativistas José
Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo Silva, com julgamento
marcado para 03 de abril de 2013, os mandantes José Rodrigues Moreira e os
executores Lindonjonson Silva e Alberto Lopes estão presos. No entanto, o
assassinato que ocorreu em maio de 2011, no interior do Projeto de Assentamento
Praia Alta Piranheira, município de Nova Ipixuna, Sudeste do Pará, ainda
aguarda o julgamento de Gilsão e Gilvan, proprietários de terras no interior do
Assentamento, que também teriam participado do crime como mandantes.
A situação se repete em inúmeros casos,
inclusive no assassinato de Sebastião Camargo, no Paraná. Apesar de ser
apontado por testemunhas como o autor do disparo que matou Camargo, o
latifundiário Marcos Prochet, ex-presidente da UDR, não figurava entre os
acusados na primeira denúncia sobre o crime, formulada pelo Ministério Público
do Paraná em 2000, e só foi incluído no processo em 2001. Prochet também
deveria ser julgado na próxima segunda-feira (4), mas usou de uma manobra
jurídica para adiar o julgamento. Já Tarcísio Barbosa, tesoureiro da UDR e
presidente da Comissão Fundiária da Federação de Agricultura do Estado do
Paraná - Faep, ainda não foi denunciado, mesmo havendo provas relevantes contra
ele no processo.
Na avaliação de Sauer, o número de mandantes
de assassinatos de lideranças rurais que foram a julgamento ou condenados nos
últimos anos mostra o descaso do Judiciário no cumprimento da lei: “O Poder
Judiciário tem a obrigação de penalizar quem viola direitos. No entanto, a tal
morosidade da Justiça - sempre uma lógica de protelar para quem tem poder de
protelar - funciona como um mecanismo de impunidade”. De acordo com a pesquisa
da CPT de 2011, dos 1.186 casos monitorados pela organização, 94 pessoas foram
condenadas pelo menos em primeira instância, entre elas 21 mandantes e 73
executores dos homicídios.
Grupos de extermínio e milícias
Após quatro anos de apuração, outro caso que
está para ser julgado ainda neste primeiro semestre é o assassinato do advogado
Manoel Bezerra de Mattos Neto. Integrante da Comissão de Direitos Humanos da
OAB-PE, ele havia denunciado a existência de grupos de extermínio, com a
participação de policiais militares, que agiam livremente na região de Itambé.
O caso Manoel Mattos completa quatro anos e
foi o primeiro a ser federalizado no Brasil, em outubro de 2010, pelo Supremo
Tribunal Federal (STF). O crime ganhou notoriedade na Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH) e abre uma porta para que outros crimes semelhantes,
ou seja, atribuídos a grupos de extermínio, também sejam investigados e
julgados pela Justiça Federal. Com o caso federalizado, a punição de mandantes
e executores também se torna mais possível.
A ação de milícias armadas aparece como uma
constante nas investigações dos despejos violentos e assassinatos por conflitos
de terra no estado. A maioria dos 19 assassinatos ocorridos de 1994 a 2009 no
Paraná tiveram participação dos grupos ilegais, inclusive o de Sebastião
Camargo. Investigações feitas pela polícia apontam que as milícias realizavam
contrabando internacional de armas, tinha ramificações na Polícia Militar e
atuava de forma a impedir investigações dos crimes cometidos, pois contava com
a anuência de parlamentares brasileiros. Denúncias dos trabalhadores rurais
apontaram para a existência de uma “Caveirão Rural”, veículo blindado de
fabricação artesanal, semelhante ao utilizado pela polícia do Rio de Janeiro,
utilizado pelos pistoleiros e latifundiários para despejos ilegais.
Fonte: Brasil de Fato
Foto: Giuseppe Rindoni
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